As primeiras estatísticas começaram a chegar. As primeiras estatísticas, depois de a Samolândia ter começado a guerra comercial. As estatísticas não contavam uma história agradável para os defensores do protecionismo histriónico: um pouco por todo o lado, atrás do recuo do comércio entre os países veio o crescimento emagrecido.
Só foi surpresa para os seguidores do presidente da Samolândia – por teimosia, ou por ignorância. A causa e o efeito estavam devidamente documentados na ciência. Durante anos e anos peritos queimaram pestanas, estudaram fenómenos, mediram-nos e encontraram explicações que foram o lastro de teorias. É o papel da ciência. A ciência já tinha demonstrado que o fechamento de fronteiras às importações, ou a criação de embaraços que perturbam a sua competitividade, fermentam o retrocesso económico e o bem-estar. Também não era inesperado o desprezo do presidente da Samolândia pela ciência: sempre que a ciência o desmentia, ele e o seu séquito abjuravam a ciência.
Quando as “tarifas” caíram estrepitosamente sobre as importações, aconteceu um de dois efeitos: ou as “tarifas” eram tão elevadas que liquidavam a competitividade dos produtos comprados no estrangeiro; ou, apesar de as “tarifas” atacarem a competitividade das importações, elas continuavam a entrar no mercado do país. No primeiro caso, esperava-se que as mercadorias compradas ao exterior fossem substituídas por mercadorias fabricadas no país. No segundo caso, as “tarifas” forçavam os consumidores do país a pagar um preço mais alto. As “tarifas” não passavam de um imposto sobre os consumidores do país que as impunha – ele há coisa mais antipatriótica e antidemocrática?
Com a desordem instalada no comércio internacional, com uma revoada de países, uns a seguir aos outros, a servirem-se de “tarifas” para reagirem às “tarifas” aplicadas antes, instalou-se a desconfiança. Os peritos asseguram que as pessoas agem racionalmente. Como não são estúpidas e o dinheiro custa muito a ganhar, ponderam antes de decidirem se vão comprar isto ou aquilo. Raramente sondam a origem da mercadoria importada, porque o seu bolso não está forrado a bandeiras nacionais nem os hinos são melodias embutidas no ouvido. As pessoas leem jornais e veem noticiários de televisão. Informam-se. Desde que o presidente da Samolândia ateou o rastilho de uma guerra comercial, o assunto colonizou a atenção dos jornalistas.
As pessoas desconfiam: as “tarifas” podem trazer preços mais elevados, a necessidade de deixar de consumir o que é fabricado no estrangeiro substituindo por mercadorias nacionais mais caras e de pior qualidade, ou a escassez de mercadorias compradas ao estrangeiro porque a produção nacional não tem capacidade para tomar o seu lugar. Todas as possibilidades levam ao franzir do sobrolho dos cidadãos. É compreensível que o consumo recue.
Os trimestres sucediam-se e com eles chegavam as estatísticas sobre o trimestre anterior. Da primeira vez que as estatísticas mandavam dizer que a economia estava a andar para trás, o presidente da Samolândia pediu paciência, que dessem o benefício da dúvida, mais tarde as pessoas teriam provas irrefutáveis de que as “tarifas” melhoram a saúde da economia. Veio o segundo trimestre, e depois o terceiro, e, enfim, o quarto. As estatísticas, teimosas, desmentiam o vaticínio (ou, dir-se-ia, a profecia autorrealizável) do presidente da Samolândia. Quatro trimestres consecutivos de economia em marcha-atrás – e alguns peritos, dando asas a um cinismo mordaz, apelidando a economia do presente como “economia caranguejo”. À medida que os trimestres se sucediam e as estatísticas desmentiam as profecias do líder da Samolândia, as pessoas perdiam a paciência. Ao contrário do prometido, quase todos estavam pior.
O presidente da Samolândia, cada vez mais isolado, cada vez (ainda) mais teimoso, teve uma epifania quando descobriu aliados improváveis: os fundamentalistas do ambiente estavam do seu lado, fazendo com que os observadores ficassem atónitos com a aliança que não estava no programa. De repente, o presidente da Samolândia, numa cambalhota que espantou meio mundo, agarrou-se a uma nova agenda, tornando-se um inesperado ambientalista.
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