Cara de Espelho, “Elefante no Hemiciclo”, in https://www.youtube.com/watch?v=1CxKz1J76PA
Sentados em cima do autoconvencimento, desperdiçam a aprendizagem do seu contrário. São insensíveis aos que não se servem da mesma lente para observar as coisas do mundo. Mas denunciam um soi-disant “pensamento único”, como se eles, fieis à autoimposta tirania da única verdade possível, não fossem mecenas de um pensamento que, na sua maneira de ver, deve ser o único admitido a concurso.
Para reforçar o comportamento retorcido, aparecem montados numa arrogância típica de quem está muito seguro das suas ideias e da inviabilidade absoluta do que for defendido em sua negação. Se os votos contados nas urnas os colocam na posição de derrotados, multiplicam variegadas explicações que se fundamentam em fatores que lhes são externos: a imprensa está a soldo dos adversários (mas estes diriam que a imprensa trata com condescendência os circunstanciais derrotados); a prodigalidade do “grande capital”, tão generoso com os adversários, acentua as diferenças de acesso aos meios, inclinando o plano a favor destes; o mundo está sujeito a uma maré que lhes é adversa e o país limita-se a cavalgar essa maré; a maioria dos eleitores não os compreendeu e eles pagam pela injustiça de serem treslidos; ou a maioria dos eleitores não alcançou a superioridade das suas propostas, ficando à margem das vantagens que elas proporcionariam – numa fórmula sofisticada de questionar a lucidez dos que escolheram outras propostas a concurso, desatando um nada sublime eufemismo para os votantes apedeutas.
Não percebem que os titânicos esforços que justificam a derrota nas urnas deitam mais arrogância em cima da arrogância precedente. O omisso fair play democrático deixa sinais reveladores dos seus pergaminhos. Em parte, admita-se, é o resultado de quem ficou órfão de referências depois da hecatombe. É uma reação lógica se se limitar ao intervalo de tempo em que a espontaneidade é ativada. Se ultrapassar a reação instantânea e se prolongar no tempo, encerra um comportamento que também levanta perplexidades. Pois os eleitores só têm lucidez se não colocarem estes partidos na desagradável posição de perdedores. O discernimento dos votantes é levado a uma condição volátil: umas vezes votam como deve ser, outras vezes não. Até há quem deixe cair esta inconfidência: se era para votar sem lucidez, antes tivessem ficado em casa.
A incapacidade para a tolerância é uma das marcas de água. Como recorrem com assiduidade a imperativos categóricos, a julgamentos ad hominem, à superioridade moral, ao discreto vitupério dos adversários, a arrogância é outra marca de água que trazem tatuada. Outra ainda, como alicerce da anterior, é a displicência com que se comportam e argumentam. Tudo arrematado num cocktail que os impede de serem observadores por fora de si mesmos. Desta incapacidade para medirem nos outros os efeitos das suas certezas incontestáveis traduz-se o seu fiasco. Não entendem como a arrogância é contraproducente. Quanto mais carregarem na tecla da arrogância, expondo a insolência de quem isola os adversários num lugar não recomendável e sem direito a redenção se não a de atestarem a razão dos seus propósitos, vão empilhando sucessivas camadas de arrogância que empurram cada vez mais gente para um lugar que é a antítese do lugar por eles ocupado.
O preço da arrogância é a sua gradual irrelevância. A culpa não é deles. É dos que, com a caneta dirigida ao boletim de voto, são incapazes de perceber como bondosas são as suas ideias e as suas propostas. Depois ficam abespinhados porque os radicais que tanto combatem têm cada vez recetividade eleitoral. Não alcançam os anticorpos dessa arrogância venal.
O preço da arrogância é um bando de radicais alimentar a existência de outro bando de radicais.
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