PJ Harvey, “Send His Love to Me”, in https://www.youtube.com/watch?v=rsUIl7qVzYw
Uma cabeça com dor – ou uma dor de cabeça – chama pelos bombeiros que podem apagar fogos como os garfos se desembaraçam da comida. Uma aranha pendida disfarça o babo com que urde a teia que fica por conta dos embaraços. As tangerinas colonizadas pelo bolor ficaram esquecidas na fruteira e emprestam um aroma a fim de estação, o doce dos frutos assaltado pela vilania dos bolores que adulteram a cor original. No cais, as pessoas esperam pelo navio e não olham umas para as outras, não olham umas pelas outras. São más novas para os embaixadores do otimismo. Ao menos, numa rua centrípeta da cidade um homem descuidado arrasta-se e proclama um poema de autor desconhecido. Procura definições, como se precisasse de provar a erudição. As pessoas passam, quase indiferentes. Olham de lado, desconfiadas. Outras, com o enfado próprio de quem reprova os andrajos e o sarro que o candidato a poeta (ou a declamador de poesia) traz à mostra. O dia aproxima-se do entardecer, as pessoas não disfarçam o cansaço. A proteção divina está em saldos. Desengane-se o amanhã, que não será muito diferente (a menos que uma conspiração entediante nos deixe às escuras, mesmo sendo dia). No jardim sobranceiro ao rio, os namorados apreciam a paisagem enquanto afagam os dedos reciprocamente. Digerem o silêncio. O poeta maldito, agora apessoado, passa vagarosamente. Entoa outro poema aparentemente desconhecido (ou é apenas o desconhecimento da toponímia poética a dar de si). O rapaz continua absorto na languidez da paisagem que se entretece na luz tímida que se emancipou de um nevoeiro furtivo. A rapariga desvia o olhar e acompanha as estrofes. Sente a maresia entranhada nos poros. À noite, quando estiverem sozinhos diante da solidão, cada um dirá um poema ao outro antes do deitar. Pode ser que passem da candidatos a loucos.
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