Mark Lanegan, “I Am the Wolf” (live on KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=VjeUpiTZel0
As pessoas estavam viciadas no futuro. Só queriam saber do futuro. Às escondidas, pagavam a videntes. O negócio prosperou. Os oráculos, se fossem uma indústria instalada, seriam o sector da economia mais popular.
O vício do futuro era como uma doença de que as pessoas não se conseguem desprender. De cada vez que um oráculo era desmentido ao chegar a vez do futuro, mais as pessoas investiam noutros oráculos. Não aprendiam com a recusa de o futuro fazer a vontade às profecias indigentes herdadas de tempos antes. A dependência do futuro – de querer saber os contornos do futuro –mascarava o presente anódino, um presente que se tornava indiferente porque as pessoas queriam desembaraçar-se dele e tudo apostar no futuro.
O governo tinha prometido, durante a campanha eleitoral, formar o ministério do futuro. Não podia ser indiferente à dependência do futuro e de como os cidadãos tendiam a viciá-lo com o recurso sistemático a profetas esotéricos que os convenciam que tinham uma poção mágica para destapar as bainhas do futuro. O ministério ia regulamentar o futuro.
A primeira dificuldade era escolher o/a ministro/a. Teria de ser alguém que dominasse as artes de tourear o futuro. Ou seja: um carteirista encartado que tivesse o dom de hipnotizar o coletivo e que o convencesse que o futuro seria de uma certa forma. Se o futuro viesse desmentir as garantias estatais sobre ele próprio, o ministério cuidaria de arranjar as desculpas, ou os pretextos, que, a propósito de uma inesperada alteração das circunstâncias, permitiria uma sindicância indolor (para o ministério; não para os cidadãos que acreditaram nas garantias do ministério).
Para acautelar possíveis desvios entre o futuro e os planos para ele, o ministério teria de repetir advertências indeclináveis: o futuro tem mau-feitio, costuma mover-se desenfreadamente e contra as promessas de descodificação feitas por uma interminável corte de voluntários para a decifração do futuro. O ministério descia ao nível da charlatanice instituída. O/a ministro/a teria de lidar com os descontentes com o futuro que lhes calharam em sorte. Era uma tarefa encorpada. Para se desembaraçar dela, teria de ser alguém que se distinguisse pela capacidade de argumentação. Alguém que, com um toque de Midas, convencesse a turba com os argumentos menos convincentes. Para começo de funções, o/a ministro/a instituiu os panos negros obrigatórios que se deviam abater sobre o futuro. Assim puído, mais indeterminado o futuro se tornava. Afinal, o ministério do futuro continha a sua auto negação. Quando deixasse de fazer sentido, é porque já só um punhado de cidadãos continuavam a acreditar que se podia domar o futuro.
As pessoas ainda estavam viciadas no futuro. Desaprenderam o presente. Pareciam fantasmas errantes a passear pelo mundo, esvaídos de interior.
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