Interpol, “Barricade”, in https://www.youtube.com/watch?v=Fjm4Bvx3ZU0
Atribulados tempos os hodiernos, em que a moderação entrou em retração e a razoabilidade está em vias de extinção. A causa radica na radicalização em curso. Acusam-se os populistas de uma certa extração, que passam por cima das lições da História e cuidam de a reinventar quando é conveniente. Segundo a proposta apocalítica dos que se apressam a atribuir esta titularidade ao grotesco desfilar de radicais, é a vingança sobre a História. À sua conta, um discurso que perdeu o pudor de usar certos temas dantes tabu, não hesitando em recorrer a uma retórica excessiva que não é compatível com o debate civilizado.
Do lado contrário, cada vez mais acantonado no singular (dantes era mais fácil observar a pluralidade deste lado da trincheira), situam-se os que sempre hostilizaram esta extração de radicais, os que os repudiam por atentarem contra o código de conduta da convivência democrática, e os que, não se situando em nenhum dos dois sectores anteriores, se demarcam dos radicais com a marcação de um perímetro de segurança. Dantes, eram os primeiros que se socorriam de uma retórica desaforada para resistirem à emergência dos que outrora foram combatidos muitas vezes com o preço de vidas. Os demais assenhoreavam-se da moderação.
O tempo atual reconfigurou a paisagem. A polarização tomou conta do palco onde competem visões concorrentes. Responde-se com discurso grotesco ao discurso grotesco dos radicais. Como o discurso grotesco é todo ele grotesco, não se admita que há o grotesco bom, que se abriga sob a nossa asa, e outro grotesco que deve ser categoricamente denunciado. Sobretudo se a imoderação que tem tomado conta dos que nunca foram radicais derreter a razão que possam ter. Da mesma forma que a violência coalha a razão, e não há razão que se alicerce no bastião da força, responder ao discurso imoderado com reações imoderadas traz os moderados para a casa dos radicais. Para combater os radicais e as ameaças que eles possam representar, há muito quem defenda que deve ser usada metodologia afim.
Só que o radicalismo e a imoderação em que se debate não podem ser a caução de uma imoderação de sinal contrário, porque se trata de imoderação. Quando se objeta ao discurso soez de um radical com palavras também agressivas e em contramão com o código de conduta dos moderados, passamos a não ser diferentes dele. Alguns dirão, em defesa da derrapagem intencional para o discurso extremado, que é por um imperativo de resposta aos radicais a que nos opomos. É a gramática que eles conhecem. Se assim nos comportarmos desde o outro lado da trincheira, começamos a falar a mesma gramática que é característica deles. Começamos a ser parecidos com eles, pelo menos no modo como falamos com eles. Começamos a adulterar a nossa identidade.
Para continuar a haver uma linha de demarcação, não nos podemos sentar à mesa do banquete dos beócios. A convivência contagia-se e, de começarmos a recorrer a uma retórica grotesca, usando os mesmos métodos e figuras de estilo dos radicais, passamos a falar numa gramática igual. Contribuímos para o empobrecimento do debate público quando devolvemos, sem o sangue de aracnídeo que devíamos ter, acusações tão torpes como as que são típicas das provocações encenadas pelos radicais.
O argumento válido não é o da palavra imperativa para desmontar o radical ameaçador, se essa palavra nos nivela pela sua estatura. O argumento válido é deixá-lo a falar sozinho, enredado na puída língua de trapos em que articula o primitivo pensamento, deixando por sua exclusiva conta a procissão de mentiras, de ideias perigosas, de insultos gratuitos, de boçalidade que trespassa os seus corpos. O argumento deixa de ser válido se descemos ao seu nível, pois legitimamos a sua retórica, o seu modo de estar, a hostilização contínua. Não queremos ser como ele, mas agimos como se fossemos um deles.
Esta é uma das possibilidades mais aviltantes da polarização, a que parte da radicalização de uns e termina com a radicalização dos outros como reação aos primeiros: o nivelamento é feito por baixo. Ao ódio não se responde com ódio, porque é ódio na mesma. Responde-se com indiferença. Que é o prémio merecido dos radicais que ateiam o fogo da acrimónia constante.