Beth Gibbons, “Floating on a Moment”, in https://www.youtube.com/watch?v=ldrx0eSqV-E
“I’m heading toward
a boundary
that divides us.”
Fracos com os fortes. É o idioma que a humanidade sabe falar. Por mais que diligentes procuradores da igualdade se atirem com as armas da razão contra as desigualdades de variadas estirpes que teimam em desmentir a ética. Se os fortes exacerbam a sua força diante dos fracos, é por puro instinto de sobrevivência; são eles os primeiros a preservar um estatuto de superioridade, que não estão dispostos a partilhar com os fracos. Mas como se entende que os fracos exacerbem as suas fraquezas quando estão perante os fortes?
Em parte, a culpa é do passado. A separação das castas, mesmo que não tenham essa designação formal, é uma herança pesada que chega com o lastro do passado e a determinação dos usos sociais. Não se questionam os mais fortes, nem eles têm de se justificar, e justificar as suas ações, quando somos seus destinatários. Humildemente, obedecemos. Com um respeitoso aceno de cabeça – porque “o respeitinho (...)”. Assim se fortalecem os mais fortes e enfraquece o estatuto dos mais fracos.
Recentemente, a assimetria dos estatutos e a sua permanência têm sido contestadas por alguns que gravitam na órbita dos fracos. Cavalgam no lastro da democracia, e no que ela tem de intrínseco na dissolução das desigualdades persistentes, apostando na insubordinação e no desafio aos mais fortes. Não querem que a desigualdade persista. Se não tiverem vencimento de causa, advertem para o abismo que fere a legitimidade da democracia. O questionamento dos mais fortes é um exercício de força que capacita os mais fracos a saírem da prisão mental à qual foram condenados pela sua fragilidade.
É prematuro saber se a causa dos mais fracos vai triunfar. É preciso perguntar ao futuro, ou esperar pacientemente que ele aconteça. No presente estado das coisas, os fracos ainda são fracos e os fortes ainda são fortes. Alguns fracos continuam a fazer genuflexões quando estão perante os fortes. Estes continuam a desprezar os mais fracos ou a dedicar-lhes uma bondosa indiferença. Alguns fracos manifestam indignação pela desigualdade e motivam-se para serem fortes diante dos fortes. Alguns fortes já perceberam a iniquidade da desigualdade de estatutos e aceitam as aspirações dos mais fracos. Alguns fazem-no por adesão espontânea aos ares da modernidade e outros por calculismo. Enquanto a desigualdade perdurar por apatia dos fracos, é a fraqueza deles que cimenta a força dos mais fortes. Eles são fracos diante dos fortes, como se não bastasse que muitos dos fortes avivem a sua força quando estão perante os mais fracos.
Quando os fortes são perversamente fortes com os mais fracos, é sinal de uma enfermidade a que se chama hipocrisia. Não se diga o menos quando os fracos são fracos perante os fortes. A teoria ensina que vivemos num sistema que confere às pessoas frágeis as ferramentas para contestar a soberania assimétrica dos fortes. A omissão de muitos em ativar a sua condição também é um sinal de hipocrisia. Há fracos, muitos fracos, que estão resignados à sua (sub)condição.
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