Teho Teardo & Blixa Bargeld, “Still Smiling”, in https://www.youtube.com/watch?v=JfpTME1VqEY
“I recall the black days
the blackest one
it’s not the last one,
but it’s there.”
Também chamam penitenciária às prisões. Há países que tratam o conjunto das prisões como o sistema penitenciário. Ora, um sistema penitenciário é o sistema que se penitencia. É um sistema masoquista. Aplica a si mesmo os castigos próprios de quem teve mau comportamento e transgrediu os costumes e as regras por que se deve pautar.
Chamar penitenciária à prisão é eloquente. Os habitantes temporários das prisões cumprem castigo. Os crimes são assim definidos na expetativa de serem descobertos, julgados com base em prova convincente e de serem impostos castigos a quem por eles for condenado em sentença. É a sociedade bem-comportada – pelo menos enquanto alguns dos seus membros não transgredirem, tornando-se ovelhas tresmalhadas do bom rebanho – que exige a penitência dos que prestam contas à justiça por se terem tresmalhado. O grupo espera deles um arrependimento convincente. Enquanto o arrependimento não medra, comina-se a penitência: os trabalhos forçados que suprimem temporariamente a liberdade dos que se desviaram dos usos e das regras e precisam ser castigados pela ofensa a um esteio da sociedade.
Mas a palavra “penitência” tem uma carga pesada, evoca o ambiente repressivo que convoca a fidelidade metafísica e a limitação da liberdade individual para não hipotecar a autoridade da divindade. A reprimenda é religiosa: a falta de cumprimento é compensada com o castigo físico, pois a dor sentida pelo penitenciado é como se fosse exportada pelos membros ofendidos da sociedade para quem delinquiu. A penitência é o outsourcing da dor injustamente sentida por efeito de ato alheio; a sua devolução à procedência; o boomerang reparador. Através da penitência do tresmalhado, o resto do grupo ameniza o incómodo.
A penitência vem depois da penitência não autorizada, imposta contra a vontade de quem dela é vítima. É uma vingança. Sempre ouvi dizer que a vingança é uma reação mesquinha, nivelando quem a pratica pelo estalão do condenado à penitência com selo régio. Acabam por não ser diferentes, caçador e presa. Esta beneficia de uma proteção coletiva que as presas no meio selvagem não têm. Mas condenar os caçadores à penitência é fazer recair sobre eles a arma que usaram, contrariando a lógica das leis e dos usos. Uma penitência reage à outra. A segunda é ilegítima; a primeira legitima-se no alfobre da vingança, que nivela os direitos da presa e do caçador.
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