26.11.25

XL

The Stone Roses, “Fools Gold” (live at Top of the Pops), in https://www.youtube.com/watch?v=k4H4ztXsPrc

Gold road’s sure a long road

winds on through the hills for fifteen days

the pack on my back is aching

the straps seem to cut me like a knife.”

Naqueles tempos de adolescência espúria, calcetavam a mesada com uns biscates aqui e ali. Era a vulgata do espírito do desenrascanço, como acrescentava, em pose filosófica, o tio de um deles, que se recusava a aceitar a idade e insistia em conviver com o grupo de adolescentes espúrios. Sorte a deles. O indivíduo tinha mãos largas e os rapazes tinham acesso a noitadas com os copos todos pagos.

Os adolescentes não nasceram de famílias abonadas. Por isso precisavam de calcetar as mesadas com os biscates. O dinheiro extra vinha a propósito. Era para as extravagâncias. Naquela altura, eram extravagâncias. Anos depois, quando começaram a trabalhar e, para sorte deles, os estudos de excelência os dispuseram para empregos pagos com salários muito acima da média para quem tinha terminado os estudos, os bolsos forrados de notas foram a rampa de lançamento para outras extravagâncias. Nenhum deles constituiu família (que expressão idiomática a despropósito: como se pode aceitar que a família se “constitui”?), porque o hedonismo falou mais alto, ateando uma boémia incorrigível e um rosário de vícios. Nunca souberam o que é poupar. 

O tio de um deles, o homem a destempo que teimava em fazer noite na companhia dos rapazes, já era septuagenário quando eles entraram na casa dos trinta. Um ou outro contratempo de saúde não o dispunha para a boémia extemporânea de outrora, mas fazia questão de estar a par das proezas dos rapazes (dos “meus rapazes”, como gostava de terminar as frases, sem esconder a nostalgia). Depois, deixava que os sonhos levantassem voo e o trouxessem de regresso ao passado. Terminava o exercício à beira do precipício da agonia. 

Os rapazes, agora já homens feitos e, todavia, impregnados de defeitos muitos, não queriam saber de responsabilidades. “Constituir” família era uma prisão e exigia a adesão aos costumes que não estavam dispostos a aceitar. Continuavam a dormir poucas horas. As vinte e quatro horas do dia não esticam, e é preciso encaixar à força, dentro do espaço de um dia, o trabalho, a boémia e um módico de sono. Às vezes, reuniam-se ao entardecer, depondo também eles nostalgicamente sob o efeito do pôr do sol que se fundia com o mar como fio do horizonte. Não sabiam por que caíam na nostalgia – eles costumavam berrar, em momentos mais eufóricos, que não queriam saber do passado nem do futuro e que o seu fado era consumir a fundo todos os segundos que acompanhavam o presente. Dizia: depunham nostalgicamente sob o efeito do entardecer quimérico e perguntavam: e nós, como seremos daqui a vinte anos ou daqui a trinta anos?

Não podiam fingir que o amigo mais velho, aquele que tanto lutara com todas as forças para fingir que o envelhecimento tomara conta dele, era uma amostra do que fora. Concediam, por mais que lhes custasse: a decadência apoderara-se dele e o quadro não era agradável. Antes que fossem assaltados por uma sensação de falsa partida, uma sensação que se repetia com a passagem dos anos, engoliam a nostalgia a destempo e avançavam para outro naco de boémia.

E voltavam a abraçar-se furiosamente ao presente, deixando para memória futura a ausência de memória. 

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