Ladytron, “Kingdom Undersea”, in https://www.youtube.com/watch?v=U1r3d7wR9is
“The White Hunter sits on his porch
with his elephant gun and his tears
he’ll shoot you for free if you come around here.”
Um concurso de bramidos. Vozes esporeadas umas contra as outras, sobrepondo-se, costurando um tricotado ininteligível. Em sacrifício da mensagem que devia ser o ouro líquido de uma discussão que não fosse atraiçoada pelas desregras. Num caldo de deseducação e intolerância que tornam intoleráveis as intermináveis procissões de gente pequenina e mesquinha quando as ideias diferentes se terçam em público. Todos os códigos de conduta já foram dissolvidos na espuma da torpeza.
Os efeitos de contágio propagam-se à velocidade da luz. Fora do espaço mediático, sem a participação das personagens que não passeiam o anonimato quando se cruzam com a pessoa comum, a incapacidade de ouvir sem atropelar com a fala, a indisponibilidade para aceitar ideias diferentes, a que devia corresponder a capacidade de argumentar em favor de ideias contrárias com a urbanidade de quem alicerça os argumentos, a propensão para confundir os que são diferentes com inimigos que abjuram sem contemplações – este é o ar do tempo puído que nos trespassa com dor.
Os aspirantes à notoriedade imitam os que já atingiram esse estatuto. Talvez lhes escape a lucidez de admitirem que não foram feitos para copiar acriticamente aqueles cujo estatuto ambicionam ter. Talvez não percebam a decomposição da qualidade quando essas personagens saltam para o espaço público e como, à mercê dessa perda de qualidades, os aspirantes não são obrigados a contribuir para a degradação do espaço público e menos público. Estamos condenados à contaminação da lei de bronze: a boa moeda é expulsa pela má moeda. Neste caso, a má moeda, que cavalga no estatuto de visibilidade pública, perpetua-se nos inúmeros microexemplos dos que aspiram a ser cópias baratas e contrafeitas daqueles que ocupam os palcos com visibilidade pública.
Perante este estado de coisas, o mais que apetece é a hibernação. Fingir por dentro de um irrecusável fingimento; mudar de canal, quando se é telespectador; evitar os jornais que informam sobre o andamento do país e do mundo; recusar-se a participar no coletivo lodo ao qual, caso contrário, ficaríamos amordaçados. Porque até as pedagógicas tentativas para quebrar o fogo deste estado de coisas se estilhaçam perante a resistência do exército de gente mal formada que empunha suas armas impiedosas no espaço público e no espaço menos público. Para ser possível acautelar o espaço sanitário, próprio da contaminação de toda a matéria infecta, que comanda o tempo e o espaço.
Contra esta universalidade, o refúgio de um exílio interior, o ascetismo indeclinável que contraria a propensão a acabarmos por ser iguais aos demais de quem tanto queremos distância.
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