Cocteau Twins, “Aikea-Guinea”, in https://www.youtube.com/watch?v=Du7nKnKhhmU
“I see trees of green”.
Éramos crianças e subíamos às árvores, que não detinham as brincadeiras. Se déssemos ouvidos a agentes conspiradores, seríamos convencidos de que subir às árvores era jogar com o pressentimento do poder: na altura, era no alto que nos sentíamos bem, mais tarde seríamos ocupantes de lugares cimeiros. O tempo encarregou-se de desmentir a profecia dos agentes conspiradores. Nenhum de nós tomou o poder como ópio.
Queríamos subir às árvores porque gostávamos de labirintos. Do desafio de um labirinto. Os ramos que se desmultiplicavam eram como sucessivos corredores que se abriam do nada por dentro de um labirinto. Não nos amedrontavam as alturas; naquela altura, não tínhamos vertigens. Quando fomos mais velhos, passámos a tropeçar em vertigens quando abismos vários se semeavam nos nossos caminhos. Mas naquela altura, não. Medíamos os passos à medida que trepávamos às árvores. Queríamos sentir o equilíbrio precário. Para saber onde parar.
As figueiras eram as árvores prediletas. Sobretudo se fosse época de colher os figos. Depois tínhamos bebedeiras de figos, comendo-os até nos enfartarmos. Sentíamo-nos como se fôssemos suseranos de um domínio qualquer quando nos abarbatávamos com os figos e, sentados sob a copa da figueira, dirigíamos o olhar para a figueira que ainda não tinha sido despojada da colheita de figos que o ano proporcionara. Éramos suseranos daquela figueira e nós é que sabíamos do destino dos figos.
Era por esse poder que nos inebriávamos. O poder mundano, que começava e terminava na exiguidade dos nossos eus. Até porque, na altura, sobretudo quando subíamos à altura das árvores, não sabíamos o que era o poder a que os outros chamavam poder.
Gostávamos da sensação de poder interior e da sua efemeridade. Sabíamos que ela se extinguia quando terminávamos a descida da árvore e os pés se firmavam no chão sólido. E sabíamos que a efemeridade do poder, enquanto estávamos empoleirados nas árvores, era como habitar uma fuga. Só não sabíamos do que fugíamos. Ou talvez fugíssemos por conta dos sobressaltos intrínsecos à idade adulta. Sem sabermos, fugíamos desses sobressaltos. Pois, embora deles nos exilássemos antes de eles terem lugar, sabemos agora que era como se estivéssemos no tirocínio necessário para acautelarmos os seus efeitos por vezes devastadores. Esta foi uma profecia que se cumpriu. Hoje estamos todos inteiros. Talvez porque soubemos contrariar a sedução do poder.
Hoje continuamos (adivinho) a subir às pessoais árvores imaginárias. A fazer a vontade aos sonhos que se entronizam na própria vontade. Saltando de ramo em ramo, as mãos agarrando-se a outros ramos, enquanto os pés se deslocam num movimento sublime à procura de todos os sonhos, sem ter de saber se vão encontrar realização.
Hoje, lamentamos que as crianças nossas sucessoras sejam proibidas de experimentar o equilíbrio precário de uma árvore. Não é de estranhar que cresçam desabilitadas para os contratempos da idade adulta. Até porque hoje os contratempos são de uma estatura maior.
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