“Here are the young men, the weight on their shoulders
here are the young men, well where have they been?
We knocked on the doors of Hell’s darker chamber
pushed to the limit, we dragged ourselves in.”
O marxismo ainda existe. A adversativa não tem segundas intenções. Das ideias, de quaisquer que sejam, não se tenha a ousadia de condená-las à extinção. Que não seja fácil ceder à tentação de as considerar datadas. O exercício será sempre precoce e, ele próprio, condenado a um vigoroso desmentido. Nem que os tutores desse desmentido se limitem a exercer a sua liberdade de expressão, por mais que os seus oponentes desprezem essa ideia por a julgarem antiquada. As ideias, nenhuma ideia, podem ser ostracizadas ou desvalorizadas. Pois esse esquecimento pode ser o melhor trunfo que espera a reabilitação das ideias pelo tempo vigente.
O tempo e as circunstâncias são o palco ideal para peças de teatro politicamente militantes. Brecht é um dramaturgo de eleição para os que convocam das artes as armas necessárias para combater os interesses que se mobilizam contra os direitos da parte mais vulnerável do contrato de trabalho. Por mais que as peças de Brecht sejam datadas e se embebam num contexto que historicamente é distinto dos tempos atuais, para quem defende a sua atualidade as diferenças de contexto não são impeditivas do seu resgate. Os tempos que não correm de feição trazem essas peças de teatro do passado, tornando-as imediatamente atuais.
Quem não seja sensível a estes quadrantes políticos não pode deixar de ficar atento à mobilização incremental das artes para integrarem o combate político, alinhando-se com a agenda das forças políticas e dos interesses específicos que se amotinam contra a agenda laboral que ameaça cortar direitos. Pode ser desempatia com a ministra da tutela, que não compensa a circunstância de ser perita na matéria com a arrogância que destila a cada intervenção pública sobre o assunto. Pode ser um questionamento sobre a legitimidade da modificação das leis, quando a agenda laboral não constava do programa eleitoral. Ou pode ser, mais objetivamente, que algumas das soluções incluídas na agenda laboral sejam excessivas (di-lo alguém que não esconde o seu pendor liberal).
“Santa Joana dos Matadouros” é a peça de Brecht que traz para o presente uma crise e um enredo nela baseado dos anos trinta do século passado. É Brecht a dar um banho de marxismo à audiência. E, apesar dos pesares acima expostos, pese embora uma pessoa medianamente atenta perceba que a comparação de circunstâncias (da peça e da atualidade) não favoreça conclusões senão apressadas e politicamente empenhadas (isto é: sanar uma certa orfandade política, que é a extração do tempo presente, de quem busca alguma redenção na mobilização das artes contra os estertores que se anunciam) – pese embora tudo isso, Brecht é a alma pater de um revivalismo necessário para a reabilitação de uma militância que se oponha à perda de direitos, ao tal retrocesso civilizacional.
Em “Santa Joana dos Matadouros” desfilam os habituais clichés: a ganância dos capitalistas, que não hesitam em sacrificar os mais fracos se esse for o resultado de mais dinheiro amealhado; a intencionalidade dos detentores do capital, que condenam à perda de direitos os que para eles trabalham, forçados a receber um salário mais baixo pelo privilégio da conservação do posto de trabalho. Sem se perceber que a História, e a modernização dos tempos, terão ensinado aos detentores de capital que hostilizar os trabalhadores, condená-los à usura que os torna dependentes e condená-los a receber menos salário por mais horas de trabalho é o contrário do que um detentor do capital consciente pode pretender; se o protótipo simplista de “Santa Joana dos Matadouros” fosse viável, ao promoverem a dependência psicológica e a miséria material, os capitalistas alcançavam o oposto do que querem obter: reduzir o rendimento dos trabalhadores é condená-los a reduzir o consumo. E como a produção não sobrevive se o consumo não sobreviver, menos compreensível é a exportação de Brecht para o século XXI.
Assistir a peças de teatro ou a outras manifestações de artes em que se convoca a renovação da militância contra o capitalismo (“o fascismo é a verdadeira face do capitalismo”, convém evocar a ilação de Brecht) parece integrar uma (compreensível) estratégia de sobrevivência daqueles sectores políticos que entraram em deriva existencial e que receiam a repetição da História. Estes “tempos medonhos” são o palco fértil para manifestações de arte politicamente empenhadas. O recurso a fragmentos emblemáticos das artes para reavivar e reativar militâncias em retração, não pode justificar que se atropele o pensamento e se aceite tudo na urgência de estender a analogia entre diferentes camadas do tempo e diferentes circunstâncias. Apanhar boleia de um Brecht datado deixa entender que quem a apanha se assemelha a alguém que se sente puído pelo curso da atualidade e precisa de um banho, um banho de marxismo, para renovar as forças.
Para os demais, que têm interesse em participar da liturgia coletiva — um interesse talvez arqueológico —, o palco é uma lição inteira. Sobretudo, de como o recurso às artes, pedindo emprestado ao passado peças de teatro que são libertadas da poeira que sobre elas se deitava, não passa de um recurso estilístico.
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