DIIV, “Return of Youth”, in https://www.youtube.com/watch?v=4nnTlht0xUE
Fiquei para o fim, foi de propósito. As pessoas que chegaram depois passavam à frente, com a ajuda da minha indiferença. Avançavam na fila que se congeminava na rampa de acesso ao edifício. O edifício não tinha nome. Procurava saber por que tinham escondido a toponímia, como se o edifício tivesse sido acometido por uma doença moderna que trata as pessoas por “senhor” ou “senhora”, ou por “você”, ou então por um número retirado da máquina das senhas que define a ordem de chamada.
As pessoas entravam, mas não saíam pela mesma porta. Haveria outra porta que ordenava a saída, talvez para impedir atropelos entre quem esperava por vez e quem se desembaraçara da função. Ou apenas para que os que estavam à espera não fossem informados do ritual por aqueles que tivessem sido atendidos. Se fosse próspero o campo por onde transitam conspirações (o que não significa que não seja), a angústia começava a causar suores frios nas pessoas com propensão para o género ao verem que outros não saíam pela mesma porta por que entraram.
Confirmou-se: as conspirações tinham de ser gastas alhures. Era preciso passar por alguns guichets, como se à entrada fosse preciso fazer o check-in nos aeroportos e depois, em sucessivos postos de atendimento, as pessoas desapossavam-se de paciência para fazerem o favor à imperativa burocracia. Os que conseguiam refrigerar a impaciência notavam o zelo dos burocratas e a impessoalidade no trato. Os burocratas não olhavam as pessoas nos olhos, nem sequer levantavam a cabeça para verem quem atendiam ao chamarem pela senha “número tal”. Despachavam o expediente. As pessoas perfiladas eram o seu expediente.
Quase no fim, depois de várias paragens para repetir procedimentos, uma funcionária repetiu o ritual: sem levantar o rosto, os olhos sempre mergulhados na montanha de papeis residentes na secretária, chamou pelo nome. Pela primeira vez, deixara de ser um nome, ou o “senhor”, ou apenas um intrusivo “você”, para ouvir o meu nome entoado com as sílabas nítidas. Retorqui: “não me chamem pelo nome, não aqui dentro, neste antro de impessoalidade trespassado pela fria burocracia. Prefiro não ouvir o meu nome. O número de atendimento é suficiente, condiz com a tarefa. Se não se importa.” – e rematei a frase com o nome da funcionária, identificado à lapela.
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