27.5.25

Os eternos candidatos a esculturas (contradição de termos)

PJ Harvey, “Angelene” (live at Sydney Festival), in https://www.youtube.com/watch?v=YQDXwVRA8-s

A fama anda sempre em alta na bolsa dos anseios. É numeroso o exército de aspirantes a um banho de fama. Não contam aqueles efémeros cinco minutos de fama, que depressa caem no olvido logo na hora a seguir, a menos que a instantânea fama seja ateada pelo risível e a personagem permaneça na memória coletiva, não pelas melhores razões. Este caso é análogo a um banho de lama.

Deve ser um propósito de vida, umas vezes admitido sem desvios, outras ficando guardado no alforge onde habitam as matérias inconfessáveis. Uns querem que os tempos póstumos sejam pródigos com uma inscrição na toponímia local. Outros são mais ambiciosos: querem ser imortalizados em estátua. Para os candidatos entenderem as probabilidades, a segunda empreitada fica reservada a um escol. A menos que integrem um grupo restrito que já alcançou a fama em vida e autorizam a sua estátua que se dá a conhecer ainda em vida. Aqueles que não se importam em ficar imortalizados em estátua em vida são a consequência do seu narcisismo irrecusável. Ou não deram conta que a estátua é uma maneira de os antecipar entre os moradores da república dos mortos.

Ser estátua, sobretudo em vida, não deve ser agradável (exceto para os que não cabem dentro de si). A estátua é imorredoira, mas é um inerte. Por mais que o simbólico seja convocado, aquele massa inerte de materiais esculpidos é um corpo morto. Quem, entre os vivos, gosta de ser o sujeito que se entrega a uma estátua sabendo que as estátuas costumam representar mortos e que são compostas de material inerte? Uma estátua pode glorificar a vida do retratado, mas é (quase) sempre um ato virado para o pretérito de alguém que deixou de figurar entre os vivos. 

Os que não escondem a ambição de ser estátua não ajuízam o futuro em seu favor. Está na moda mutilar as estátuas quando elas representam alguém que diverge do pensamento modernamente correto. Admita-se que essas pessoas pressentem que cultivar o incomensurável ego se esgota no momento em que passam a desabitar o inventário dos vivos, o que não será compatível com catecismos vários que assentam nos pressupostos da vida eterna e da perenidade do espírito. Fora dessa hipótese, não interessa aos sujeitos esculpidos saber que a estátua pode ser ultrajada ou até mutilada pelos militantes contemporâneos de ativismos de variada cepa. Nessa altura, já não estão entre os vivos e as ciências positivas ensinam que estando mortos não estão de atalaia. A consciência do nada que herdam com a morte também os alivia da ansiedade de saberem se foram contemplados a emprestar o corpo, ou apenas o rosto, a uma estátua. A menos que lhes tenha sido ajuramentado, ainda em vida, uma estátua póstuma.

Terá o exposto sido convincente para aliviar as dores de decrescimento dos autopropostos candidatos a uma estátua?

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