Há coincidências que nascem no tempo acertado: Alberto João Jardim demitiu-se a meio das festividades de Carnaval. Desenganem-se os que pensam que este texto vai engrossar o coro da crítica fácil ao político boçal. Pelo contrário: vai partir do exemplo que o presidente do governo regional da Madeira deu durante anos a fio – ser folião no cortejo carnavalesco, a ribombar o bombo em trajes menores. O exemplo para os políticos nacionais, que podiam, por um dia que fosse, descer do pedestal e juntar-se ao povaréu que se entrega ao entusiasmo dos corsos de Carnaval.
Gostava que os políticos continentais se prestassem a esta comparação. Eles, tão ciosos da sua imagem, tão ansiosos pela leitura das sondagens mensais que atestam o grau de popularidade, num putativo barómetro do seu desempenho, teriam nos cortejos carnavalescos o tira teimas da popularidade. E seria, ao mesmo tempo, o escrutínio directo pelo povo, como se os cortejos encimados por suas excelências funcionassem como tribunais da opinião pública mobilizada para aplaudir ou dizer das boas aos políticos disfarçados deles mesmos.
Porventura o Carnaval, como o povo gosta, entristecia-se. Já não basta apanhar trezentos e sessenta e cinco dias por ano com a classe política a pavonear-se diante das câmaras da televisão. Nem no cortejo carnavalesco os foliões se conseguiriam livrar da classe. Não seria caso para esboçar tanta tristeza. Os cortejos de Carnaval espalhados de norte a sul estão habituados a encenar a crítica aos políticos do momento. A sátira popular destila nos corsos, com os gigantones que reproduzem as figuras políticas que dominam o momento. Ora, se os cortejos de Carnaval aproveitam a festividade para lançar as farpas que os políticos merecem, haverá cenário mais idílico do que convocar os políticos em carne e osso para reis e rainhas dos corsos?
Jardim fê-lo durante anos consecutivos. Fazia parte do folclore político do arquipélago. Ano após ano, apostava-se de que iria fantasiado o presidente do governo regional. Nem que fosse para os olhos atónitos ficarem especados diante do grotesco quadro, Alberto João em cuecas. Pode ser um soba, pode ter uma retórica desbragada, pode exalar uma boçalidade que exaspera os finos espíritos das elites lisboetas; nada disto ofusca a popularidade que soube construir, decerto manipulando, decerto jogando cartadas pouco éticas no plano das regras democráticas. Nele louvo a coragem de entregar o peito às balas e ser interveniente na folia carnavalesca que percorre as ruas do Funchal. Que se saiba, não havia manifestações de repúdio.
Por cá, temos aprendizes de Alberto João Jardim. São mais requintados. Fingem praticar a tolerância democrática. Excitam-se quando lêem as últimas sondagens que os colocam nos píncaros da popularidade. Uns fingidores, que simulam políticas com o intuito de manter os índices de popularidade em alta. Impensável imaginá-los a trajar disfarces carnavalescos, participando nos corsos onde seriam figuras de proa. Essa seria a prova dos nove da popularidade (e dos especialistas de sondagens). Corriam o risco de ouvir os impropérios mais desagradáveis, que os atingidos pelas políticas do governo e pelos dislates da oposição estariam na linha da frente, preparados para esgotar o capital de queixumes.
Gostava de ver o primeiro-ministro disfarçado de Pinóquio – ou seja, dele mesmo. O esforço de caracterização não seria muito: era só retocar a protuberância nasal, tão bem retratada no boneco do Contra Informação, colocar o chapéu verde e a roupa juvenil. No carro seguinte, o criador de Pinóquio – Gepetto, o disfarce envergado por Santana Lopes (hipótese número um, à escolha do público). Um Gepetto contristado, porque tendo sido criador do Pinóquio que nos governa, cedo perdeu os cordelinhos sobre o boneco. Ou, hipótese número dois, Gepetto seria o disfarce de Cavaco Silva. Não como criador de Pinóquio, mas como sua figura tutelar, o parceiro estratégico que tem caucionado os passos de Pinóquio, sem se coibir de avisar que está de olho no boneco, preparado para corrigir os passos em falso.
Como acontece à entrada dos estádios de futebol, o povo que fosse assistir ao cortejo seria minuciosamente revistado à entrada. Não podiam entrar objectos cortantes, ovos, tomates, guarda-chuvas, latas e garrafas, qualquer objecto susceptível que pudesse ser arremessado contra os protagonistas do corso. Só poderia usar as palavras como arma: as pateadas, os coros de protesto, os impropérios, à passagem de um Pinóquio sorridente, mentiroso congénito que até a si próprio mente, ali convencido que a zoeira era a turba a exibir agradecimento pelo homem providencial que desfila diante dos seus olhos.
Gostava que os políticos continentais se prestassem a esta comparação. Eles, tão ciosos da sua imagem, tão ansiosos pela leitura das sondagens mensais que atestam o grau de popularidade, num putativo barómetro do seu desempenho, teriam nos cortejos carnavalescos o tira teimas da popularidade. E seria, ao mesmo tempo, o escrutínio directo pelo povo, como se os cortejos encimados por suas excelências funcionassem como tribunais da opinião pública mobilizada para aplaudir ou dizer das boas aos políticos disfarçados deles mesmos.
Porventura o Carnaval, como o povo gosta, entristecia-se. Já não basta apanhar trezentos e sessenta e cinco dias por ano com a classe política a pavonear-se diante das câmaras da televisão. Nem no cortejo carnavalesco os foliões se conseguiriam livrar da classe. Não seria caso para esboçar tanta tristeza. Os cortejos de Carnaval espalhados de norte a sul estão habituados a encenar a crítica aos políticos do momento. A sátira popular destila nos corsos, com os gigantones que reproduzem as figuras políticas que dominam o momento. Ora, se os cortejos de Carnaval aproveitam a festividade para lançar as farpas que os políticos merecem, haverá cenário mais idílico do que convocar os políticos em carne e osso para reis e rainhas dos corsos?
Jardim fê-lo durante anos consecutivos. Fazia parte do folclore político do arquipélago. Ano após ano, apostava-se de que iria fantasiado o presidente do governo regional. Nem que fosse para os olhos atónitos ficarem especados diante do grotesco quadro, Alberto João em cuecas. Pode ser um soba, pode ter uma retórica desbragada, pode exalar uma boçalidade que exaspera os finos espíritos das elites lisboetas; nada disto ofusca a popularidade que soube construir, decerto manipulando, decerto jogando cartadas pouco éticas no plano das regras democráticas. Nele louvo a coragem de entregar o peito às balas e ser interveniente na folia carnavalesca que percorre as ruas do Funchal. Que se saiba, não havia manifestações de repúdio.
Por cá, temos aprendizes de Alberto João Jardim. São mais requintados. Fingem praticar a tolerância democrática. Excitam-se quando lêem as últimas sondagens que os colocam nos píncaros da popularidade. Uns fingidores, que simulam políticas com o intuito de manter os índices de popularidade em alta. Impensável imaginá-los a trajar disfarces carnavalescos, participando nos corsos onde seriam figuras de proa. Essa seria a prova dos nove da popularidade (e dos especialistas de sondagens). Corriam o risco de ouvir os impropérios mais desagradáveis, que os atingidos pelas políticas do governo e pelos dislates da oposição estariam na linha da frente, preparados para esgotar o capital de queixumes.
Gostava de ver o primeiro-ministro disfarçado de Pinóquio – ou seja, dele mesmo. O esforço de caracterização não seria muito: era só retocar a protuberância nasal, tão bem retratada no boneco do Contra Informação, colocar o chapéu verde e a roupa juvenil. No carro seguinte, o criador de Pinóquio – Gepetto, o disfarce envergado por Santana Lopes (hipótese número um, à escolha do público). Um Gepetto contristado, porque tendo sido criador do Pinóquio que nos governa, cedo perdeu os cordelinhos sobre o boneco. Ou, hipótese número dois, Gepetto seria o disfarce de Cavaco Silva. Não como criador de Pinóquio, mas como sua figura tutelar, o parceiro estratégico que tem caucionado os passos de Pinóquio, sem se coibir de avisar que está de olho no boneco, preparado para corrigir os passos em falso.
Como acontece à entrada dos estádios de futebol, o povo que fosse assistir ao cortejo seria minuciosamente revistado à entrada. Não podiam entrar objectos cortantes, ovos, tomates, guarda-chuvas, latas e garrafas, qualquer objecto susceptível que pudesse ser arremessado contra os protagonistas do corso. Só poderia usar as palavras como arma: as pateadas, os coros de protesto, os impropérios, à passagem de um Pinóquio sorridente, mentiroso congénito que até a si próprio mente, ali convencido que a zoeira era a turba a exibir agradecimento pelo homem providencial que desfila diante dos seus olhos.
1 comentário:
Muito boa, essa do Pinóquio Sócrates e do Gepetto Cavaco!
Devias divulgar esta ideia pelas organizações de Carnaval de Torres Vedras, Ovar, Loures, Loulé, etc. Acho que teria um acolhimento colossal. O downside era que te arriscavas a ser um dos protagonistas de próximas sondagens de popularidade!!! :-)
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