Pelo menos a crer no mundo retratado pela publicidade. Os anúncios são uma passerelle de homens e mulheres deslumbrantes. Só eles têm lugar nas imagens que passam diante dos nossos olhos, como se os produtos anunciados viessem embelezados pelos atributos físicos dos jovens modelos que nos olham com aquele olhar misterioso que, afinal, revela o embuste da encenação.
Há um aspecto curioso nesta moda: porventura guiados por um ímpeto de igualdade de género que se enraíza entre nós, os publicitários deixaram de servir meninas esculturais como oferenda única dos anúncios. Agora chegou a vez dos modelos masculinos, que passeiam os seus bíceps musculados e melenas efeminadas em spots publicitários de produtos que têm as mulheres como alvo. Há que diluir os últimos vestígios de superioridade masculina. Espera-os um entusiasmado aplauso pela destruição de um reduto do marialvismo luso.
O que me deixa inquieto é sermos convidados, através desta publicidade que tece loas à beleza humana, a ficar aprisionados da fatuidade estética. Apetece, por um instante, dar para o peditório dos líricos que se insurgem contra o materialismo humano que conquista terreno. E perguntar se acaso os publicitários não conseguem encontrar outra imaginação, para não formatar o espírito humano à dependência da beleza física – como se apenas a beleza física interessasse, na desvalorização da essência interior das pessoas. Sem surpresa: este tipo de publicidade encaixa-se na tendência impregnada entre nós, pois os olhos comem mais que a barriga.
E também fico apreensivo porque o desfile imparável dos atributos físicos das personagens da publicidade atira-nos para um mundo idílico, onde se passeiam corpos esbeltos, caras pontuadas por uma beleza esplêndida. Cenários que não passam de ilusões. Os olhos atentos à realidade denunciam o embuste. Os exemplares dessa beleza não existem, ou vagueiam numa qualquer dimensão reservada ao escol dos belos. Nós, os feios deste mundo, tropeçamos uns com os outros. E aqueles que se martirizam com a feiura que lhes foi destinada, sonham com o que tanto gostariam de ser fosse a justiça divina providencial na distribuição de atributos físicos. A publicidade actua como móbil onírico: quando se desligam da terra, fazem de conta que são como o modelo tão belo que aparece naquele anúncio de que não se cansam.
Há sempre um lado positivo. Neste caso, para os modelos que encontram um sucedâneo das passerelles onde desfilam as últimas invenções dos criadores de moda. É o nirvana para estes modelos, que se desdobram por afazeres mil, entre mais um desfile feérico de moda e a gravação de um spot publicitário ou uma sessão fotográfica para uma campanha de publicidade. São os novos heróis públicos. As suas caras que exalam toda a beleza aclamada, os seus corpos imunes a adiposidades, as curvilíneas formas delas (quando mesmo a esquálida beleza que convida as aspirantes à deriva anoréctica), são as novas matérias-primas aclamadas. Se é a coisificação do corpo humano, parece-me evidente. Se corresponde ao embrutecimento dos destinatários, quando caem no engodo e ficam extasiados perante a orgia de beleza que se descerra diante dos seus olhos, é tese que também subscrevo.
Nunca como por estes dias há um mundo de sonhos que entra pelos olhos através da publicidade. Não tenho nada contra a matéria onírica. Podemos sonhar com o que queremos. Já os sonhos encomendados através da formatação da publicidade me perturbam. Pela intrusão no subconsciente das pessoas que ficam com os olhos esbugalhados ao desfile de corpos. De resto, a ilusão atinge os píncaros quando em vez da atenção se prender ao produto veiculado pela publicidade, os olhos se detêm nos corpos e nas faces que se entregam como coisas incorpóreas, deixando de ser meros adereços para serem emproados à condição de protagonistas dessa publicidade.
Fora de redoma da publicidade, há o mundo real, dolorosamente feio. A estética dominante desmente o faz-de-conta da publicidade. Percebo, então, a manobra dilatória dos publicitários: convidam-nos ao refúgio no mundo cheio de predicados de beleza, ilusório decerto, mas tão confortável. O que interessa é cativar a atenção de muitas pessoas, aprisionadas pelo estertor de uma beleza que só existe no imaginário da publicidade. Quanto mais tempo mergulharem no imaginário da beleza deslumbrante, mais tempo a vêm publicidade, maior a tentação para comprar o que é publicitado. Ao mesmo tempo, refugiam-se da fealdade dominante. Uma fuga para dentro de uma muralha onde se resguarda o que gostaríamos de ter, ou de ser. E sabemos o que acontece quando só há mergulho num mundo de faz-de-conta.
Há um aspecto curioso nesta moda: porventura guiados por um ímpeto de igualdade de género que se enraíza entre nós, os publicitários deixaram de servir meninas esculturais como oferenda única dos anúncios. Agora chegou a vez dos modelos masculinos, que passeiam os seus bíceps musculados e melenas efeminadas em spots publicitários de produtos que têm as mulheres como alvo. Há que diluir os últimos vestígios de superioridade masculina. Espera-os um entusiasmado aplauso pela destruição de um reduto do marialvismo luso.
O que me deixa inquieto é sermos convidados, através desta publicidade que tece loas à beleza humana, a ficar aprisionados da fatuidade estética. Apetece, por um instante, dar para o peditório dos líricos que se insurgem contra o materialismo humano que conquista terreno. E perguntar se acaso os publicitários não conseguem encontrar outra imaginação, para não formatar o espírito humano à dependência da beleza física – como se apenas a beleza física interessasse, na desvalorização da essência interior das pessoas. Sem surpresa: este tipo de publicidade encaixa-se na tendência impregnada entre nós, pois os olhos comem mais que a barriga.
E também fico apreensivo porque o desfile imparável dos atributos físicos das personagens da publicidade atira-nos para um mundo idílico, onde se passeiam corpos esbeltos, caras pontuadas por uma beleza esplêndida. Cenários que não passam de ilusões. Os olhos atentos à realidade denunciam o embuste. Os exemplares dessa beleza não existem, ou vagueiam numa qualquer dimensão reservada ao escol dos belos. Nós, os feios deste mundo, tropeçamos uns com os outros. E aqueles que se martirizam com a feiura que lhes foi destinada, sonham com o que tanto gostariam de ser fosse a justiça divina providencial na distribuição de atributos físicos. A publicidade actua como móbil onírico: quando se desligam da terra, fazem de conta que são como o modelo tão belo que aparece naquele anúncio de que não se cansam.
Há sempre um lado positivo. Neste caso, para os modelos que encontram um sucedâneo das passerelles onde desfilam as últimas invenções dos criadores de moda. É o nirvana para estes modelos, que se desdobram por afazeres mil, entre mais um desfile feérico de moda e a gravação de um spot publicitário ou uma sessão fotográfica para uma campanha de publicidade. São os novos heróis públicos. As suas caras que exalam toda a beleza aclamada, os seus corpos imunes a adiposidades, as curvilíneas formas delas (quando mesmo a esquálida beleza que convida as aspirantes à deriva anoréctica), são as novas matérias-primas aclamadas. Se é a coisificação do corpo humano, parece-me evidente. Se corresponde ao embrutecimento dos destinatários, quando caem no engodo e ficam extasiados perante a orgia de beleza que se descerra diante dos seus olhos, é tese que também subscrevo.
Nunca como por estes dias há um mundo de sonhos que entra pelos olhos através da publicidade. Não tenho nada contra a matéria onírica. Podemos sonhar com o que queremos. Já os sonhos encomendados através da formatação da publicidade me perturbam. Pela intrusão no subconsciente das pessoas que ficam com os olhos esbugalhados ao desfile de corpos. De resto, a ilusão atinge os píncaros quando em vez da atenção se prender ao produto veiculado pela publicidade, os olhos se detêm nos corpos e nas faces que se entregam como coisas incorpóreas, deixando de ser meros adereços para serem emproados à condição de protagonistas dessa publicidade.
Fora de redoma da publicidade, há o mundo real, dolorosamente feio. A estética dominante desmente o faz-de-conta da publicidade. Percebo, então, a manobra dilatória dos publicitários: convidam-nos ao refúgio no mundo cheio de predicados de beleza, ilusório decerto, mas tão confortável. O que interessa é cativar a atenção de muitas pessoas, aprisionadas pelo estertor de uma beleza que só existe no imaginário da publicidade. Quanto mais tempo mergulharem no imaginário da beleza deslumbrante, mais tempo a vêm publicidade, maior a tentação para comprar o que é publicitado. Ao mesmo tempo, refugiam-se da fealdade dominante. Uma fuga para dentro de uma muralha onde se resguarda o que gostaríamos de ter, ou de ser. E sabemos o que acontece quando só há mergulho num mundo de faz-de-conta.
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