A questão é esta: qual o interesse em resgatar da memória aqueles momentos inesquecíveis passados algures? E depois celebrá-los, anos mais tarde, como se fosse possível recriar esses momentos que não se apagam jamais do álbum das boas recordações?
Resisto a gastar o presente na recuperação do tempo emoldurado. Há nesta atitude uma relutância metódica, acentuada pelo tempo escasso que temos pela frente. A cada instante perdido em recuperar memórias do passado, há preciosos minutos que se perdem, daqueles minutos que interessam viver – porque são os que contam, instantes tangíveis que podem trazer lugares, pessoas, experiências diferentes, um livro, um disco, um filme, uma peça de teatro que nunca passaram diante dos nossos olhos. Mergulhar no passado é roubar tempo precioso que se consome com a voragem conhecida. Diria que os instantes reservados à revisitação dos tempos idos são a negação do presente, como se o regresso ao passado trouxesse um bálsamo pelo desconforto da vida actual.
A recusa em viver agarrado à tábua do tempo ido não é a rejeição do registo pessoal fixado na aura do tempo. O passado não se renega: decerto os maus momentos, os equívocos, os passos em falso, as palavras que ditaram arrependimentos; menos ainda os instantes inolvidáveis, imortalizados por definição. A rejeição do tempo vivido é a negação da pessoa que se fez nas vicissitudes do tempo. Porém, causam-me desconforto os repetidos momentos em que respigamos os cantos perdidos da lembrança, na exaltação de instantes gratos, convocando as reminiscências que se aclaram quando as palavras que retratam esses momentos ecoam em surdina. Quanto mais o tempo for revisitado, mais as memórias se desgastam. E depois fica a impressão: de tantas vezes a boca degustar as memórias aprazíveis, elas começam a perder a espessura, diluem-se na inconsequência das sucessivas revisitações.
Inquieta-me a prisão dos tempos idos. É como se as memórias de que somos penhores fossem a masmorra que aprisiona o tempo presente, castrando os ponteiros do relógio que querem avançar e não conseguem. Não é possível fotografar todo o tempo passado e dele fazer a senda percorrida no tempo presente. A constante recuperação do outrora perfila no horizonte a insatisfação contemporânea.
Diria que quanto mais submergirmos no tempo emoldurado, maiores as ilusões de que esse tempo possa ser reinventado. Não interessa que o passado seja irrepetível. Recria-se, apenas para apascentar as boas memórias guardadas. Ou o impulso para recuperar a jovialidade e a energia da juventude que já tiveram o seu tempo, agora que as consumições do cansaço físico e mental começam a ser visita regular. O fio temporal que faz a ponte com as gratas recordações, na sua visita reiterada, é a negação do que o tempo fez de nós entretanto. Uma pulsão irreprimível de voltar aos registos da memória, houvesse a necessidade de refazer o tempo presente pela sua incomodidade.
A nostalgia é uma tirania. Uma absurda limitação do tempo que nos está destinado, colete-de-forças que hipoteca o devir. Uma dependência, negativa como todas as dependências. De que vale resgatar o tempo ido, senão para as virtuosas ilações que fazem o amadurecimento? Para além disso, sobra a prisão voluntária, algemas que os saudosistas colocam em si mesmos. A nostalgia é limitação da liberdade de espírito. Perfeita inutilidade, consumição do tempo presente, mais o desgaste do tempo futuro que o regresso ao passado vem furtar. Inquietante deriva que parece desvendar uma auto-negação, o punitivo choro pelo tempo presente tão lancinante. Até nisto o resgate do outrora é um piedoso, mas ao mesmo tempo doloroso exercício, imerso numa ilusão: quanto mais regular a incursão pelos momentos inesquecíveis, mais o travo amargo sentido pelo contraste entre o tempo recuperado e o tempo sombrio de agora.
Sim, o passado não se renega. É contrário à dignificação do que somos hoje, pela espessura do tempo que nos trouxe até ao presente. Mas sim, a nostalgia é uma prisão, um enfado pelo contraste entre as memórias lustrosas e a rotina entediante que tomou posse com o tempo acalmado.
Resisto a gastar o presente na recuperação do tempo emoldurado. Há nesta atitude uma relutância metódica, acentuada pelo tempo escasso que temos pela frente. A cada instante perdido em recuperar memórias do passado, há preciosos minutos que se perdem, daqueles minutos que interessam viver – porque são os que contam, instantes tangíveis que podem trazer lugares, pessoas, experiências diferentes, um livro, um disco, um filme, uma peça de teatro que nunca passaram diante dos nossos olhos. Mergulhar no passado é roubar tempo precioso que se consome com a voragem conhecida. Diria que os instantes reservados à revisitação dos tempos idos são a negação do presente, como se o regresso ao passado trouxesse um bálsamo pelo desconforto da vida actual.
A recusa em viver agarrado à tábua do tempo ido não é a rejeição do registo pessoal fixado na aura do tempo. O passado não se renega: decerto os maus momentos, os equívocos, os passos em falso, as palavras que ditaram arrependimentos; menos ainda os instantes inolvidáveis, imortalizados por definição. A rejeição do tempo vivido é a negação da pessoa que se fez nas vicissitudes do tempo. Porém, causam-me desconforto os repetidos momentos em que respigamos os cantos perdidos da lembrança, na exaltação de instantes gratos, convocando as reminiscências que se aclaram quando as palavras que retratam esses momentos ecoam em surdina. Quanto mais o tempo for revisitado, mais as memórias se desgastam. E depois fica a impressão: de tantas vezes a boca degustar as memórias aprazíveis, elas começam a perder a espessura, diluem-se na inconsequência das sucessivas revisitações.
Inquieta-me a prisão dos tempos idos. É como se as memórias de que somos penhores fossem a masmorra que aprisiona o tempo presente, castrando os ponteiros do relógio que querem avançar e não conseguem. Não é possível fotografar todo o tempo passado e dele fazer a senda percorrida no tempo presente. A constante recuperação do outrora perfila no horizonte a insatisfação contemporânea.
Diria que quanto mais submergirmos no tempo emoldurado, maiores as ilusões de que esse tempo possa ser reinventado. Não interessa que o passado seja irrepetível. Recria-se, apenas para apascentar as boas memórias guardadas. Ou o impulso para recuperar a jovialidade e a energia da juventude que já tiveram o seu tempo, agora que as consumições do cansaço físico e mental começam a ser visita regular. O fio temporal que faz a ponte com as gratas recordações, na sua visita reiterada, é a negação do que o tempo fez de nós entretanto. Uma pulsão irreprimível de voltar aos registos da memória, houvesse a necessidade de refazer o tempo presente pela sua incomodidade.
A nostalgia é uma tirania. Uma absurda limitação do tempo que nos está destinado, colete-de-forças que hipoteca o devir. Uma dependência, negativa como todas as dependências. De que vale resgatar o tempo ido, senão para as virtuosas ilações que fazem o amadurecimento? Para além disso, sobra a prisão voluntária, algemas que os saudosistas colocam em si mesmos. A nostalgia é limitação da liberdade de espírito. Perfeita inutilidade, consumição do tempo presente, mais o desgaste do tempo futuro que o regresso ao passado vem furtar. Inquietante deriva que parece desvendar uma auto-negação, o punitivo choro pelo tempo presente tão lancinante. Até nisto o resgate do outrora é um piedoso, mas ao mesmo tempo doloroso exercício, imerso numa ilusão: quanto mais regular a incursão pelos momentos inesquecíveis, mais o travo amargo sentido pelo contraste entre o tempo recuperado e o tempo sombrio de agora.
Sim, o passado não se renega. É contrário à dignificação do que somos hoje, pela espessura do tempo que nos trouxe até ao presente. Mas sim, a nostalgia é uma prisão, um enfado pelo contraste entre as memórias lustrosas e a rotina entediante que tomou posse com o tempo acalmado.
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