Regresso à música de intervenção. Há dias foi evocado o vigésimo aniversário da morte de Zeca Afonso. Por um dia, resgatou-se a música do cantor de protesto. Por um dia, falou mais alto a conveniência oportunista: para uns, a evocação é a maneira de ecoar um unanimismo que diz tanto acerca do significado da palavra “liberdade”, que estala nas suas bocas como castanhas acabadas de sair do fogareiro (já lá irei); para outros, porque há convenções estabelecidas que não podem ser contestadas; para outros ainda, um silêncio cúmplice, tementes que uma voz dissonante seja pretexto para uma flagelação pública.
Não gosto da música de Zeca Afonso. Esta manifestação de interesses deve ser decomposta em duas partes. Primeiro, é a música que não me cativa. Às vezes, uma revisitação da música popular – género que muito se distancia das minhas preferências. Outras vezes, os sons sofrem uma mutação genética, como se fossem vagas alterosas que se agigantam para receberem nos braços as palavras de protesto que encerram um manifesto político claro. E, em segundo lugar, é esta feição de música de intervenção que me coloca nos antípodas do artista.
Fique claro que em homenagem à liberdade de expressão aceito as exibições criativas de todo o jaez. Longe de mim ser fautor da degradante censura que existia no tempo da ditadura, da censura que algumas vezes não teve a perspicácia de decifrar a linguagem codificada de Zeca Afonso e outros cantores de protesto que conseguiram, pela música, minar o regime decadente. Há lugar à música de protesto, como deve ser garantido mercado à música pimba, ou ao jazz, à música minimal-repetitiva, ao folclore, etc. Da mesma maneira que defendo a existência da música de protesto (e de todos os géneros musicais sem excepção, qualquer que seja a mensagem – ou a ausência dela, em tantos casos), conceda-se-me o direito de afirmar a minha antipatia por um ícone da música de intervenção que continua a preencher o imaginário de uma geração marcada pela asfixia da ditadura.
Para além dos ouvidos não terem sensibilidade à linguagem musical de Zeca Afonso, fere-me a mensagem política das suas composições. Não me é difícil reconhecer o papel que esta geração de músicos teve no combate à ditadura. Nessa medida, prestaram um contributo inestimável para resgatar a liberdade cerceada pela ditadura. Os encómios chegam ao fim quando a ditadura é derrubada e os cantores de intervenção conquistam a plena liberdade de expressão, sem as amarras que tolhiam a sua criatividade. Passaram, sem excepção, a ser instrumentos ao serviço de um programa político que propagandeava a negação das liberdades básicas do ser humano.
É por isso que há pouco me referia à hipocrisia dos que empregam constantemente a palavra liberdade, quando seguiam uma ideologia (o comunismo) que supõe a negação das liberdades. Os cantores de protesto usavam a música para atrair líricos embevecidos com as promessas de novos amanhãs soviéticos. Estes eram ingénuos que caiam no engodo da música de intervenção. Os artistas do género, canhestras personagens que armadilhavam a palavra liberdade: na sua boca, “liberdade” soa à mesma falsidade das donzelas que tentam esconder a virgindade que é apenas uma distante recordação.
Pode ser grande a tentação para glorificar Zeca Afonso, até porque está morto e os artistas mortos ascendem mais depressa ao panteão dos heróis imunes à crítica ou à dissidência estética. Pode haver apenas a memória pela tormentosa luta para vergar a ditadura, o que decerto leva alguns ingénuos a esquecer o sacerdócio pelo comunismo, logo, pela negação da liberdade, de que Zeca Afonso foi um dos arautos musicais. E se esperam que vá dar para o peditório do obrigatório unanimismo que falou tão alto por ocasião dos vinte anos da morte do artista, lamento ser uma voz dissidente. Se quiserem, chamem-lhe preconceito; eu prefiro ver nisto a recusa em cair na liberdade armadilhada que nos era cantada por Zeca Afonso. Nem sou ingénuo ao ponto de engrossar um unanimismo tão oportuno para os comunistas.
De regresso a casa, escutava na Antena 3 a repetição de um programa onde se fazia a hagiografia de Zeca Afonso. Cinco minutos depois, veio a bonança quando a Rádio Universitária do Minho me ofereceu Cousteau.
Não gosto da música de Zeca Afonso. Esta manifestação de interesses deve ser decomposta em duas partes. Primeiro, é a música que não me cativa. Às vezes, uma revisitação da música popular – género que muito se distancia das minhas preferências. Outras vezes, os sons sofrem uma mutação genética, como se fossem vagas alterosas que se agigantam para receberem nos braços as palavras de protesto que encerram um manifesto político claro. E, em segundo lugar, é esta feição de música de intervenção que me coloca nos antípodas do artista.
Fique claro que em homenagem à liberdade de expressão aceito as exibições criativas de todo o jaez. Longe de mim ser fautor da degradante censura que existia no tempo da ditadura, da censura que algumas vezes não teve a perspicácia de decifrar a linguagem codificada de Zeca Afonso e outros cantores de protesto que conseguiram, pela música, minar o regime decadente. Há lugar à música de protesto, como deve ser garantido mercado à música pimba, ou ao jazz, à música minimal-repetitiva, ao folclore, etc. Da mesma maneira que defendo a existência da música de protesto (e de todos os géneros musicais sem excepção, qualquer que seja a mensagem – ou a ausência dela, em tantos casos), conceda-se-me o direito de afirmar a minha antipatia por um ícone da música de intervenção que continua a preencher o imaginário de uma geração marcada pela asfixia da ditadura.
Para além dos ouvidos não terem sensibilidade à linguagem musical de Zeca Afonso, fere-me a mensagem política das suas composições. Não me é difícil reconhecer o papel que esta geração de músicos teve no combate à ditadura. Nessa medida, prestaram um contributo inestimável para resgatar a liberdade cerceada pela ditadura. Os encómios chegam ao fim quando a ditadura é derrubada e os cantores de intervenção conquistam a plena liberdade de expressão, sem as amarras que tolhiam a sua criatividade. Passaram, sem excepção, a ser instrumentos ao serviço de um programa político que propagandeava a negação das liberdades básicas do ser humano.
É por isso que há pouco me referia à hipocrisia dos que empregam constantemente a palavra liberdade, quando seguiam uma ideologia (o comunismo) que supõe a negação das liberdades. Os cantores de protesto usavam a música para atrair líricos embevecidos com as promessas de novos amanhãs soviéticos. Estes eram ingénuos que caiam no engodo da música de intervenção. Os artistas do género, canhestras personagens que armadilhavam a palavra liberdade: na sua boca, “liberdade” soa à mesma falsidade das donzelas que tentam esconder a virgindade que é apenas uma distante recordação.
Pode ser grande a tentação para glorificar Zeca Afonso, até porque está morto e os artistas mortos ascendem mais depressa ao panteão dos heróis imunes à crítica ou à dissidência estética. Pode haver apenas a memória pela tormentosa luta para vergar a ditadura, o que decerto leva alguns ingénuos a esquecer o sacerdócio pelo comunismo, logo, pela negação da liberdade, de que Zeca Afonso foi um dos arautos musicais. E se esperam que vá dar para o peditório do obrigatório unanimismo que falou tão alto por ocasião dos vinte anos da morte do artista, lamento ser uma voz dissidente. Se quiserem, chamem-lhe preconceito; eu prefiro ver nisto a recusa em cair na liberdade armadilhada que nos era cantada por Zeca Afonso. Nem sou ingénuo ao ponto de engrossar um unanimismo tão oportuno para os comunistas.
De regresso a casa, escutava na Antena 3 a repetição de um programa onde se fazia a hagiografia de Zeca Afonso. Cinco minutos depois, veio a bonança quando a Rádio Universitária do Minho me ofereceu Cousteau.
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