Eu gosto da economia. Adoro o capitalismo. Aliás, quanto mais esvoaçam abutres zurzindo do capitalismo, apontando-o a dedo como fautor de todos os males que apoquentam o mundo, mais me enamoro pelo capitalismo. Como sistema, o capitalismo é a maior invenção que a humanidade pôde conhecer. O problema é quando os homens põem o capitalismo em funcionamento. Sobretudo quando o encaminham para uma selvática modalidade que só olha ao encanto dos cifrões e se esquece que ao espezinhar as massas dá trunfos de ouro aos seus detractores.
A semana que passou foi fértil em comentários jocosos aos ditirambos nacionais do ministro da economia em terras chinesas. Ou ao jogging espectacular do primeiro-ministro, ladeado pelos seguranças não fosse um meliante chinês reconhecer a pessoa do primeiro-ministro português – da primeira linhagem entre as afamadas personagens internacionais, como é sabido – e cometer um atentado que viria cercear o matinal jogging e estragar a imagem tão bem composta. Entre o caudal de propaganda que a comitiva de jornalistas enviava para a pátria, poucos perceberam o grande disparate da tournée pela China: a promessa do governo português levantar o embargo de armas à China quando, no próximo semestre, ocupar a presidência da União Europeia.
Não fosse notório que a comitiva lusitana cirandava pelo distante oriente puxando lustro aos chineses, numa subserviência podre, e dir-se-ia que a permissão da venda de armas à ditadura chinesa seria a prioridade da presidência portuguesa da União Europeia. O que, a ser verdade, era mau de mais para ser sequer patético. Importa deter o olhar nesta declaração solene. Parece um dote prometido à gigantesca China como maneira de olear as portas que ainda estão fechadas aos interesses económicos nacionais. Eis o sinalagma: para os chineses serem generosos com as empresas lusitanas, o governo deste país vai ser o embaixador da China junto da União Europeia. Melhor se diria que fará as vezes de advogado de defesa da China. Para ser inteiramente rigoroso, advogado do diabo.
A diplomacia económica, versão moderna do realismo das relações internacionais em concubinato com os interesses económicos, tropeça amiúde nestes alçapões. Passa-se uma esponja pelas atrocidades. Ou apenas se desvia o olhar, apelando à memória curta. Às vezes, declarações inflamadas contra países que espezinham os direitos humanos. Outras vezes, um silêncio cúmplice perante atentados do mesmo calibre. Porque interesses mais altos se levantam: não vingasse a lei da rolha que faz de conta que não há – e não houve – graves atropelos aos direitos humanos, e as portas estariam fechadas às nossas exportações. Diagnóstico lapidar: direitos humanos trocados por lucro. E a coerência mandada às urtigas.
É nestas alturas que me envergonho do capitalismo. Verdade seja dita que há aqui uma perversão do capitalismo, ditada pela ingerência dos políticos. Tão generosos são, tão diligentes em franquear as portas aos empresários que se grudam, quais parasitas, a esta fétida diplomacia económica, que o resultado é um capitalismo pornográfico. Não estranhei o silêncio da amansada comitiva de jornalistas que se passeou pela China. Ninguém perguntou pelas insónias do primeiro-ministro (porque ao ministro dos negócios estrangeiros nem valia a pena) se conseguir convencer os parceiros da União Europeia a abdicar do embargo da venda de armas ao sanguinário regime chinês. Não convinha, a pergunta, para não incomodar os tabus chineses.
Ninguém esperava que numa visita destas se falasse em direitos humanos. A China é um gigante que exige muito respeitinho. As oportunidades de negócio são tantas que não se pode melindrar os chineses. Ademais, não é de bom-tom criticar os anfitriões. Mas o recato insinua-se: era escusado ao governo de Sócrates ajoelhar-se tanto perante a China. Tanta vassalagem levanta dúvidas: ou este governo considera que a China é um regime recomendável; ou a diplomacia está só ao serviço dos interesses dos empresários lusos com gula pelo vasto mercado chinês. É aqui que me zango com esta espécie de capitalismo que vive de mão estendida para o processo político. Doença congénita dos empresários. Sinal de que não conseguem andar pelas suas pernas, carentes da eterna muleta do Estado. Isto não é iniciativa privada; é dependência estatal. E nada de capitalismo, a não ser na forma.
No rescaldo, uma mensagem que me entristece. Para os capitalistas portugueses, de braço dado com quem não deveriam andar – o aparelho do Estado –, o lucro justifica o atropelo dos direitos humanos. A economia não tem que ser só a busca pelo excedente. Sob pena do lucro, legado fundamental do capitalismo, entrar para o domínio do satanizado.
A semana que passou foi fértil em comentários jocosos aos ditirambos nacionais do ministro da economia em terras chinesas. Ou ao jogging espectacular do primeiro-ministro, ladeado pelos seguranças não fosse um meliante chinês reconhecer a pessoa do primeiro-ministro português – da primeira linhagem entre as afamadas personagens internacionais, como é sabido – e cometer um atentado que viria cercear o matinal jogging e estragar a imagem tão bem composta. Entre o caudal de propaganda que a comitiva de jornalistas enviava para a pátria, poucos perceberam o grande disparate da tournée pela China: a promessa do governo português levantar o embargo de armas à China quando, no próximo semestre, ocupar a presidência da União Europeia.
Não fosse notório que a comitiva lusitana cirandava pelo distante oriente puxando lustro aos chineses, numa subserviência podre, e dir-se-ia que a permissão da venda de armas à ditadura chinesa seria a prioridade da presidência portuguesa da União Europeia. O que, a ser verdade, era mau de mais para ser sequer patético. Importa deter o olhar nesta declaração solene. Parece um dote prometido à gigantesca China como maneira de olear as portas que ainda estão fechadas aos interesses económicos nacionais. Eis o sinalagma: para os chineses serem generosos com as empresas lusitanas, o governo deste país vai ser o embaixador da China junto da União Europeia. Melhor se diria que fará as vezes de advogado de defesa da China. Para ser inteiramente rigoroso, advogado do diabo.
A diplomacia económica, versão moderna do realismo das relações internacionais em concubinato com os interesses económicos, tropeça amiúde nestes alçapões. Passa-se uma esponja pelas atrocidades. Ou apenas se desvia o olhar, apelando à memória curta. Às vezes, declarações inflamadas contra países que espezinham os direitos humanos. Outras vezes, um silêncio cúmplice perante atentados do mesmo calibre. Porque interesses mais altos se levantam: não vingasse a lei da rolha que faz de conta que não há – e não houve – graves atropelos aos direitos humanos, e as portas estariam fechadas às nossas exportações. Diagnóstico lapidar: direitos humanos trocados por lucro. E a coerência mandada às urtigas.
É nestas alturas que me envergonho do capitalismo. Verdade seja dita que há aqui uma perversão do capitalismo, ditada pela ingerência dos políticos. Tão generosos são, tão diligentes em franquear as portas aos empresários que se grudam, quais parasitas, a esta fétida diplomacia económica, que o resultado é um capitalismo pornográfico. Não estranhei o silêncio da amansada comitiva de jornalistas que se passeou pela China. Ninguém perguntou pelas insónias do primeiro-ministro (porque ao ministro dos negócios estrangeiros nem valia a pena) se conseguir convencer os parceiros da União Europeia a abdicar do embargo da venda de armas ao sanguinário regime chinês. Não convinha, a pergunta, para não incomodar os tabus chineses.
Ninguém esperava que numa visita destas se falasse em direitos humanos. A China é um gigante que exige muito respeitinho. As oportunidades de negócio são tantas que não se pode melindrar os chineses. Ademais, não é de bom-tom criticar os anfitriões. Mas o recato insinua-se: era escusado ao governo de Sócrates ajoelhar-se tanto perante a China. Tanta vassalagem levanta dúvidas: ou este governo considera que a China é um regime recomendável; ou a diplomacia está só ao serviço dos interesses dos empresários lusos com gula pelo vasto mercado chinês. É aqui que me zango com esta espécie de capitalismo que vive de mão estendida para o processo político. Doença congénita dos empresários. Sinal de que não conseguem andar pelas suas pernas, carentes da eterna muleta do Estado. Isto não é iniciativa privada; é dependência estatal. E nada de capitalismo, a não ser na forma.
No rescaldo, uma mensagem que me entristece. Para os capitalistas portugueses, de braço dado com quem não deveriam andar – o aparelho do Estado –, o lucro justifica o atropelo dos direitos humanos. A economia não tem que ser só a busca pelo excedente. Sob pena do lucro, legado fundamental do capitalismo, entrar para o domínio do satanizado.
1 comentário:
1- Levantar o embargo de armas à China é uma imbecilidade.
2- É duvidoso que seja conseguido: já a França o tentou há 2 anos e não conseguiu.
3- Os capitalistas portugueses são tão arautos do Capitalismo como são estado-dependentes. Aliás, nesta como noutras áreas, são o reflexo do povo português que acha que o Estado tem de resolver, remediar, prevenir, compensar, ou subsidiar qualquer imprevisto, prejuízo ou contrariedade que suceda nas nossas vidas.
Enfim, uma apagada e vil tristeza.
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