Viagra Boys, “Uno II”, in https://www.youtube.com/watch?v=9kWgvEKIo4c
1
Reparações furtivas no santuário onde as boas almas aprendem a nadar: as conspirações acendem os faróis feéricos e ferem o faro dos faraós do bom comportamento. Zelosos, uns embaixadores da previdência arranjam um plano de contingência para ultrapassar a contingência em que esbarram. São mestres em deixar as contingências à solta e desertos de efeitos os planos de contingência amanhados em cima do estirador da espontaneidade.
2
Ela povoava as ruas por onde passava – dizia-se, sem se ter a noção que as ruas são constantemente povoadas por quem as povoa. Sempre houve gente sobrestimada – é do domínio da História e da injustiça dos Homens. Na rua mais comercial, ela não disfarçava o olhar que se inclinava para as vidraças das lojas impecavelmente flamantes. A cada dia que passava, demorava uns segundos mais, tornando vagaroso o passo para ter tempo para se autocontemplar. Ninguém lhe disse que as montras dos diversos comércios são uma passerelle de ilusões.
3
O clero não podia ter opiniões. Corria à boca pequena. Não podia ter gostos pessoais como as pessoas outras, não clérigas, têm. E ainda há quem proteste contra os privilégios eclesiásticos. Do outro lado, sentiam-se próximos dos sacerdotes castrados de opinião e de gostos pessoais os que têm pudor em os confidenciar. Abdicar dessa cortina era como uma nudez congestionada. Só não foram para padres.
4
No meio da canícula, o cão vadio procurava água. A rapariga, à saída da escola, foi a única pessoa a dar conta da agonia do cão. Improvisou um recipiente com a tupperware onde levara o almoço e verteu a única garrafa de água que tinha na mochila. Um adulto que passava nas imediações deu um ralhete à menina: “que mau exemplo, menina, deixa o cão sarnento seguir o seu caminho.” A menina não se intimidou e retorquiu que sarnento era sua excelência. Paredes-meias, o cão, em bravo ato de solidariedade com a menina, completou a gratidão mordendo a barriga da perna do homem desapiedado.
5
O artista de cinema tinha muitas rugas, ele estava ali ao lado, em carne e osso. Não era assim nos filmes mais recentes em que participou. Os filmes são isso mesmo: encenações da realidade. E os atores, como bons atores que são, são ótimos a fingir o que não são. Nesse dia, ele perdeu o medo da rugas. E admitiu: valha-nos o cinema para fazer de conta que o mundo lá fora pertence a uma galáxia longínqua.
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