3.4.25

Louvor às costas largas

Ryuichi Sakamoto, “Self Portrait”, in https://www.youtube.com/watch?v=xxL0F5xyx9M

Do proveito da generosidade em proveito alheio, medram largas as costas a preceito. A insalubridade da culpa é a ignição para esta generosidade. Diz-se: são as costas largas que recurvam as responsabilidades de outrem, mas que os outros se demitem de corresponder.

Diz-se: a expatriação das culpas assumidas pelos mecenas da inculpação em nome alheio perfuma a espécie com um odor que contraria a implosão de fétidas substancias que a possam infetar. Oferecer as costas como se fossem um largo estuário onde cabem, bem repartidas, as culpas inadmitidas por outros, é um desprendimento ímpar que ajuda a contemplar a humanidade por uma lente opaca; ajuda a tolerar a espécie, contrariando o mortuário de pessimismo antropológico que espuma pela boca da escotilha.

Às costas, que têm de ser largas, repousam as responsabilidades enjeitadas. São elas que esconjuram a irresponsabilidade num simulacro de fingimento que apenas esconde a intenção de iludir as culpas que têm de aterrar algures. Louvem-se os mecenas que se oferecem, com seus dorsos musculados, para partilhar as responsabilidades que assim não desvivem solteiras. Saber que num ancoradouro se encontra o paradeiro de umas largas costas é o dicionário onde se esconde a salvação. Desmontam-se as conspirações espúrias que endossam as culpas de pessoa em pessoa, como se o processo de transmissão acabasse por dissolver os átomos da culpa e ela findasse exangue, entregue à sua sindicância irresponsável.

Os portadores de largas costas vivem imersos num injusto anonimato. A eles são devidas as maiores comendas que, todavia, são apostas em quem muito menos deu de contributo para a ascese. Não protestam, nem se intimidam com o despropósito que os desvincula de condecorações merecidas; não alquebram, prostrados ao irreconhecimento. Faz parte das largas costas com que se apresentam ao mundo. Estas são as singulares credenciais que são as mudas garantias de sobrevivência. 

Não fossem por todas as costas largas, daríamos à costa como casta errante. Distantes de qualquer salvação reconhecida ou idealizada; apenas embaixadores potenciais da decadência irremediável. 

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