The Limiñanas, “The Dancer”, in https://www.youtube.com/watch?v=TUL9Gv8Zedc
Basalto; da cor do basalto enchem as palavras que sobem à boca, como se de poluição estivessem servidas para serem como corta-fogos, dissolvendo a poluição maior na poluição por elas gerada.
Era só uma ideia – conceptual. Lá fora, os mastros estavam nus. O funcionário competente esqueceu-se de hastear as bandeiras, o funcionário assim incompetente. Ou talvez não: e no âmago da sua escondida e superior competência, o funcionário castigou os países deixando as bandeiras sem haste. As pessoas passavam, indiferentes. O sinal máximo da irrelevância das nações que durante tanto tempo tanto mal fizeram à espécie de que são feitas.
O cenário não foi indiferente a um artista. Aproveitou a ideia para uma instalação: pelas salas da galeria de arte, espalhados ao acaso, mastros sem bandeiras. No espaço sobranceiro a cada mastro, uma cartolina em branco convidando os visitantes a deporem palavras sobre a bandeira que imaginaram para o mastro deserto. As palavras eram escritas com uma pedra basáltica.
O embaixador de um país pequeno que se vê muito maior ao espelho protestou contra as palavras desagradáveis que um visitante escreveu sob o mastro que fez corresponder a esse país. O orgulho fátuo congemina as conspirações também elas fátuas. A pequenez de espírito abraça-se ao desassossego que se levanta com palavras que são contempladas como provocações. O artista, numa declaração de solidariedade com o anónimo visitante, protestou contra o protesto da embaixada. E agradeceu ao irascível embaixador, que, desorientado, confirmou o propósito da instalação.
No dia seguinte, as paredes da galeria de arte estavam enfeitadas com palavras de ordem a favor do “país ultrajado” (a expressão é da autoria do autor do protesto). Com uma nota de rodapé, as letras pequenas de um contrato que, neste caso, eram mesmo para ser lidas: “emoldurado em lei de basalto”, soando a provocação. Os donos da galeria de arte agradeceram o gesto. Com a colaboração do artista, emitiram uma declaração aos órgãos de comunicação social:
“As paredes da galeria de arte foram pintadas com dizeres ofensivos à galeria e ao artista e palavras de glorificação ao país que se considerou insultado com a instalação. O artista e a galeria agradecem a deferência. As sensibilidades exacerbadas reforçam a causa da instalação.”
No dia seguinte, o funcionário da organização internacional voltou a provar a sua inestimável competência. Hasteou todas as bandeiras, menos a do país que protestou contra a instalação artística. Foi um pé-de-vento diplomático! O país, pela voz do embaixador que parecia no limiar da apoplexia, exigiu o apuramento de responsabilidades e a demissão do funcionário responsável pela omissão e dos seus superiores hierárquicos.
O episódio só não tomou outras proporções porque foi gorada uma tentativa de assassinato de um funcionário da organização ao acaso. A bomba foi preparada por amadores e a detonação foi uma coisa pífia. Não houve feridos, só um susto. Daí para a frente, os países poderosos moveram-se nos bastidores e puseram o país pária em sentido. E a instalação artística esteve na galeria seis meses após a data prevista para a sua desinstalação.
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