7.6.19

Escafandro


The Divine Comedy; “Queuejumper”, in https://www.youtube.com/watch?v=F-zxAo1ImIg
O estado comatoso do escafandro: a concentração de salitre ameaça corroê-lo e a ferrugem toma conta de partes substanciais do material de que se compõe. É sinal do ambiente hostil a que o escafandro vai. Ao mesmo tempo, é sinal da proteção que confere a quem sabe não poder enfrentar o meio ambiente sem a proteção do escafandro. 
No tumultuoso pesar lá fora, é preciso um manto protetor. É arriscado sair sem escafandro. O ar contaminado pode adulterar a lucidez. Pode ser que errático seja o caminho no imponderável devir assim contaminado. Há gente que não dá conta e se entrega ao ar contaminado, aparentemente andando sem sobressaltos. Sabe-se mais tarde – as estatísticas confirmam-no – essas são as pessoas acometidas pelas maleitas avulsas propagadas pelo ambiente hostil. Consta que não há cura. Uns ficam reféns de loucura virulenta. Outros caem num coma sem remédio. Outros saem à rua e vagueiam até mirrarem, consumidos pelo sangue emaciado. Outros, sem físicos sintomas de doença, aparecem em lugares insólitos em poses insólitas, absortos, incapazes de dominarem a vontade. Não sabiam que o mundo exterior pode ser fatal.
Está decadente, o escafandro? Os muitos pontos de ferrugem, depois da sua exposição a este salitre insalubre que adultera a atmosfera, sugerem-no. E se o escafandro está decadente, aumenta a exposição aos nutrientes putrefactos da doença que se contamina só pela exposição ao ambiente exterior? Só se não houver destreza para reparar o escafandro. Os pontos de ferrugem devem ser raspados. Uma substância é usada para a sua dissolução. Depois, o escafandro submete-se a uma decapagem geral, antes de ser envernizado com o reforço de uma matéria que atrase a corrosão. Não se tenha a pretensão de ter um escafandro à prova de contrariedades. Os agentes exteriores são altamente cáusticos. Exige-se uma periódica operação de manutenção do escafandro. Como prova de sobrevivência.
O escafandro é, todavia, uma frágil proteção. Consta que os agentes agressivos que estão escondidos no meio exterior têm vindo a reforçar a sua abrasão e a resistência aos tratamentos por que passam os escafandros. Temem (os observadores muito atentos e estudiosos do assunto) que os escafandros possam perder utilidade num tempo próximo. 
A epígrafe da sociopatia, sob caução do escafandro, pode estar em causa. Paradoxalmente, para desgraça da espécie.

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