Stereossauro ft. Camané, “Flor de Maracujá”, in https://www.youtube.com/watch?v=gy0pUfh1X78
Era o comando da língua, a boca artilhada para povoar a miríade de palavras que compunham as ideias, ou a boca limitava-se a ser o instrumento ao serviço do pensamento? De tanta saliva afirmada, dir-se-ia ser o império da boca. Sem a saliva não seria possível pronunciar todas aquelas palavras. E sem as palavras, as ideias ficariam remetidas ao anonimato.
Era preciso louvar a saliva. O instrumento radial do pensamento – alguém o afirmou, exortando os demais a seguirem a ideia. No fundo, era uma ideia antes das outras ideias que vinham à boca de cena através das palavras encenadas no bojo da saliva. Havia um encadeamento lógico que merecia atenção. Os mecanismos são interdependentes. Pode parecer que há variáveis dependentes e variáveis independentes; poder-se-ia garantir que, nesta lógica, a saliva era a variável infinitesimalmente dependente e o pensamento, o bastião do sistema, a variável independente. A atenção requerida punha em causa a lógica exposta. Outra vez: sem o ingrediente da saliva, as palavras que compunham as ideias ficavam suprimidas.
Talvez fosse especulação sem regimento. Interessava acautelar as relações sistemáticas entre saliva, palavras e ideias? (Ou, para os puristas, para obedecer aos cânones que impõem uma ordem lógica: ideias, palavras e saliva.) Não eram todos parte do mesmo todo? Não se reconhecia que sem uma das partes as outras ficavam comprometidas? Como podiam soerguer-se palavras em articulada inteligibilidade se elas não fossem a tradução das ideias? Como podiam as ideias ter veículo se a saliva estivesse em falta – ou se a voz tivesse decaído, afónica? Sempre se poderia argumentar que as ideias não precisam da voz, o mesmo acontecendo com as palavras: em vez da voz, elas podem encontrar a escrita como veículo de eleição.
Mas não foi essa a premissa. Partiu-se da identificação de três ingredientes da relação sistemática: saliva, palavras e ideias. Na confluência de um movimento arbitrário, convinha dissecar os átomos em que se decompõe cada mililitro de saliva. Para apurar os genes das ideias que possibilitam o salivar. E para ajuramentar que até a saliva inofensiva tem um húmus feito de ideias. A saliva transporta ideias. E da saliva vê-se como determinadas ideias (das mais especulativas às mais sensoriais) dela carecem, sob pena de ficarem aquém do que intuem ser.
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