11.6.19

Tolerância de ponto (short stories #122)


Sonic Youth, “Bull in the Heather”, in https://www.youtube.com/watch?v=8JGBNkLM9_8
          Quantos vértices de impaciência são precisos para transbordar a calma? Depende dos dias. Depende das vociferações interiores, se elas gritam ou se ficam pelo inofensivo sussurro. Há um manto à espera: o manto que costura as bainhas da tolerância a que se convertem até os obstinados. São como esquilos que demandam por mantimentos na órbitra dos transeuntes do parque. Na sua azáfama, não se consomem nas consumições dispensáveis que podiam ser o púlpito da atenção, se não se desse o caso de a tolerância de ponto alinhavar outros mandamentos. Não tem nada de cristão. (Podia-se comparar com a imagem do outro lado do rosto que se serve ao segundo esbofetear.) Na tolerância de ponto, somos a grandeza singular que não se encontra nos outros, sem que a formulação encerre a anulação de si mesma. (Por todos sermos a antinomia dos demais e estes se posicionarem em contraposição dos primeiros.) Cada história individual é um frémito de individualidade, não é uma blasfémia aos olhos dos cânones (ditos) irrepreensíveis. É irrepetível. Podemos, no lugar individual que cada um ocupa, sentir o apelo da tolerância sem que ela seja esgrimida contra a tolerância demandada por outros. Correm em lugares paralelos, não são mutuamente excludentes. Sobrepõem-se, todas estas tolerâncias de ponto, até se tornar respirável o ar que é património partilhado. As sirenes emudecem. Toda a música se cala. É preciso ouvir o silêncio. Embeber-se nele. Tanto faz que seja um fragmento do tempo, ou que seja demorado. Há um certo reinventar da civilização que medra no pulsar amaciado do sangue. Não é sinal de fraqueza. Não é, como parece, mesmo quando os sinais exteriores mostram um rudimento de capitulação. O verbo mais forte é o que fica escrito nas paredes demoradas. Esse não é o verbo dito em primeiro lugar, no tumultuoso pedestal que depressa se estilhaça sob o vento que adorna o verbo precipitado. São as esculturas onde se anotam, meticulosamente, as frases que resumem o silêncio. Foi o que aprendemos com a tolerância de ponto.

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