19.6.19

Vias de extinção (short stories #123)


Imploding Stars, “Midlife”, in https://www.youtube.com/watch?v=ntFdXNp_DR0

(Monólogo de teatro, excerto. Som de fundo: o longínquo grito surdo do navio que anuncia a entrada no porto e um ruído indiferenciado de automóveis e de vozes de pessoas sem rosto.)
            Provavelmente. Digo sempre provavelmente. Não me convencem as estórias perfeitas, digo, as estórias que se querem fazer passar por perfeitas. Há, algures, uma vírgula a destempo, o parágrafo indevidamente articulado, o equívoco dramatúrgico (descontando a necessária subjetividade), um adjetivo dispensável, o verbo que podia ser outro. A mentira redonda. Provavelmente, nada disto está no texto. E, mesmo assim, ele não pode ambicionar a perfeição. Que autor pode ambicionar a perfeição? Tutele-se a reescrita, as vezes que forem necessárias, até o texto quadrar com o contentamento do autor. Mas o contentamento é volúvel. O que hoje o cauciona pode estar ausente no dia seguinte. O texto que hoje é tido como acabado pode, provavelmente, ser olhado com desconfiança no dia a seguir, vertido na cidadela do inacabado. O melhor será considerar, arbitrariamente, o momento em que o texto atinge seu remate; o epílogo dentro do epílogo. Para confiança do texto, e de seus efeitos para memória futura, talvez seja preferível não voltar a ele. Provavelmente, haveria umas palavras a substituir, uma frase inteira recusada, um final diferente, um advérbio de modo a mais. Alguém terá dito que a escrita é uma escravatura. Terá havido autores que não passaram de um texto, desistentes perante a impossibilidade de o darem como perfeito. Seriam homens e mulheres banhados numa tremenda modéstia, muitos deles considerando-se os piores da sua espécie. Outros, para não serem reféns de um interior, diabólico labirinto, teriam apalavrado a indiferença ao produto do seu pensamento. Passariam à frente, depressa remetendo ao oblívio os textos que pertencem, e depressa pertencem, ao pretérito. Um jogo abismal, com uivos murmurando de todos os lados, rostos velozes sobrepondo-se na tela do autor, uma constelação de memórias comprimindo o seu corpo arqueado, as forças exauridas de tanto sopesarem em tão árdua empreitada. Os textos são a metáfora perfeita das vidas (descontando a subjetividade da perfeição).

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