Uma luva imensa parece abater-se sobre a totalidade do corpo, colonizando a respiração. Há um instante em que o chão parece escapar sob os pés, como se as marés tivessem sido extintas ou o ocaso da véspera tivesse sido terminal. Não se percebe de onde dimana a luva imensa, nem o que a fez escolher aquele lugar e as pessoas que ali se encontravam.
O medo depressa medra no expoente pálido da suspensão de tudo. Pressente-se, o medo. É como se viesse de véspera, vestindo um rosto anónimo, acautelando um medo maior que se anuncia para o dia seguinte. Um medo por dentro do medo. O medo inaugural adverte para o medo maior, o que está por vir. Mas o único medo que se identifica é o primeiro: um mero medo instrumental, porque entreabre as portas a um medo que medra numa catástrofe de maiores proporções. O verdadeiro medo é o que está prometido. O medo inicial é apenas o medo de ter medo do medo que está pressentido.
Foi então que se alcançou como o telescópio de medos é extemporâneo. Os medos estão em linha, obedecendo a uma cronologia apenas pressagiada. O segundo medo – o medo axial – não é adquirido. Pode acontecer que seja um ardil do medo instrumental, apenas para ter palco. Ele que, de outro modo, enquanto mero medo instrumental, não passa de um figurante na escala dos medos. É um medo domável. Para ganhar palco, precisa de anunciar de véspera que um medo dantesco está para chegar. E alimenta-se desse oráculo, entoado à guisa de rumor, para encorpar na escala dos medos.
Quem está por fora não consegue pesar a linhagem do medo instrumental. Não lhe conhece os pergaminhos – não sabe se é fidedigno e se a sua confiabilidade atesta a ameaça anunciada de véspera. E também pode ocorrer que a definição de véspera seja elástica: será a véspera de um dia destes, para o futuro, só para cravar fundo as esporas do medo pela indeterminação da sua ocorrência, trazendo constantemente pela trela os que são tomados pelo medo do medo futuro.
Ou pode apenas simplesmente esboçar-se uma solução para a apoplexia dominante, não dando ouvidos às bocas que tartamudeiam promessas de medo avulsas.
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