3.9.20

Janelas imprescritíveis

Asylums, “Who Writes Tomorrows Headlines?”, in https://www.youtube.com/watch?v=rkuJolfbwFk&frags=pl%2Cwn

Renúncia. Os novelos de nevoeiro esportulam a luz baça sobre o lugar matinal do dia. Os rostos que parecem cambalear na rua são a rima condizente com a luz entediada, em sua estrénua forma. Há janelas escondidas; mas janelas existentes.

No parapeito da angústia, onde são emulsionadas as consumições avulsas, uma escotilha sobe ao conhecimento. Soergue-se vagarosamente do horizonte do mar, parece vir espiar a beleza da terra limítrofe. É uma janela que abre de par em par toda essa beleza, não estivesse ela embaciada pelo nevoeiro obstinado. Pelo andar do dia – e já vai tardia a manhã – o nevoeiro não vai ser dissolvido tão depressa. Mas há janelas por onde o olhar se pode demorar. Janelas que não se intimidam pelo parêntesis devido pela firmeza do nevoeiro. 

Colhem-se flores silvestres espontaneamente brotadas de um canteiro. As pessoas passam amiúde, nos seus trajetos habituais, e não reparam nas flores silvestres. Não sabem que elas são janelas por onde espreita o tempo distraído. Contêm todo o mel fervido na viável atenção de um punhado de pessoas, como se elas fossem as abelhas que mergulham luxuriosamente nas flores e dessem, em dobro, uma fotossíntese que é o ardil para a dissolução do nevoeiro temporão. Pois há janelas que não prescrevem nem com a madurez do tempo – nem com a pervicácia de um nevoeiro plúmbeo. Resistem à corrosão do tempo, essas janelas. Nunca chegam a ser órfãs.

As gotas do orvalho matinal descem pelos vidros das janelas. Desenham curvas irreparáveis, avulsamente, deitando para o interior do quarto uma nesga do jardim que se aformoseia com a claridade nascente. O olhar estremunhado desembacia-se. Mesmo que seja noite, as portadas não estão corridas; no império da noite, há sempre uma candeia que espreita, servindo-se do peito aberto aprovisionado pelas janelas que não dormem. 

Na sua imprescritível natureza, as janelas oferecem um olhar imorredoiro sobre o curso dos dias. Não se escondem, nem das piores contrariedades. Tanto servem para decantar o jardim bucólico, como para apreciar a fúria embelezada de uma tempestade. Por ao menos sabermos, do âmago da impertinente indeterminação das coisas, que as janelas oferecem ao olhar a sua manumissão.


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