9.9.20

O elefante está no meio da sala

Nadine Shah, “Out the Way” (live at Hyundai Mercury Prize 2018), in https://www.youtube.com/watch?v=Er2rlIzTydc

A mordaça devia ser o melhor critério. Se a palavra é uma armadilha e invariavelmente desagua num disparate, atiçando o risível que o cobre, antes fosse silêncio sepulcral. Ou recolhimento terapêutico. Caso contrário, ficará emoldurado nos anais como o desastrado elefante que estacionou no meio da sala e, por mais cuidado que tenha, a cada gesto estilhace as porcelanas que o deixam no lugar de ilha.

O elefante no meio da sala não faz de propósito. Ou, por outras palavras: o elefante não faz de propósito para estar no meio da sala e semear desastre a cada gesto. O asnear não é intencional. Em sua defesa, invoca os esforços para não estilhaçar nada à sua passagem. Estuda as intenções, sopesa as reações, mede milimetricamente as palavras, consome-se em hesitações antes de dizer ou atuar, e acaba sempre por ser vítima de si próprio. É como se tudo o que faz e o que diz esteja destinado ao logro. 

Por vezes, durante o metódico e, todavia, infrutífero método para o salvar de ser o elefante no meio da sala, intui uma certa direção das palavras a dizer ou dos atos que esperam prática e, no último momento, ordena uma reviravolta e diz ou atua em sinal contrário. É como se uma contra-intuição de última hora se sobreponha à intuição resultante do cuidado método usado. Mete marcha-atrás e muda de direção no derradeiro instante, movido pelos pergaminhos de elefante que, estando no meio da sala, desata o caos à sua passagem. Elucubra: se a norma do pensamento, da ação, ou da palavra é um desastre, o melhor remédio será, no resgate do último instante, mudar a agulha e pensar, atuar, ou dizer o contrário. 

Nem assim se salva do desastre e a sala em que estava o elefante fica em estado de sítio. Seja qual for o caminho por que conduza, acaba no meio de uma exígua sala e tem como fado ser um irremediável desastrado. Por mais que se deixe enredar em teorias dos jogos (“no caso em apreço, a lógica mandar-me-ia fazer ou dizer isto; como é provável que acabe em asneira, vou proceder ao contrário; mas como um fantasma meu está de atalaia, vou apanhá-lo de surpresa e contrario o contrário do que tinha planeado dizer ou fazer.”), é o irremediável elefante no meio da sala, à espera do mínimo gesto para desatar o caos.

Antes fosse um ornamento imóvel que está no meio da sala. Apreciá-lo-iam mais como objeto inanimado. Esse é o pranto que não conseguir reprimir.


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