8.9.20

Recomeçamos o relógio (a leveza dos nomes)


Nick Cave and Warren Ellis, “Push the Sky Away” (live at Sidney Opera House), in https://www.youtube.com/watch?v=TJZDyIz-0lk 

Um certo dia, a convocatória indelével, o surto que desfaz os mantimentos da nostalgia, os trunfos dispostos para servirem o porvir. O relógio arcaico perde a sua serventia. É como nos jogos de xadrez, o jogador põe o relógio a zero depois da sua jogada e começa a contar o tempo do outro jogador.

Remoçamos a parada como se os apeadeiros dantes espaçados a velocidade estonteante entrassem no paradeiro dos lugares exigíveis. Ou por outras palavras: a ferocidade do tempo vertiginoso caducara com os relógios colocados no ponto zero. Percebíamos que o tempo apressado era um punhal que ensanguentava o chão deixado atrás do corpo, como uma ferida seminal que julgávamos ser o fértil arremedo do restante. Não era por sermos tutores de um tempo vertiginoso que o prolongávamos – muito pelo contrário. Só quando percebemos como éramos algozes de um tempo que se banalizava, ou algozes de nós mesmos, é que recomeçámos o relógio.

Os nomes que vinham ao mapa onde outros se intersetavam connosco perdiam inteligibilidade. Eles tinham âncora no tempo que perdera noção. Eram como rostos indiferenciados, meros anónimos que não queriam dizer ninguém no nosso mapa de nomes. Sabíamos que deles o paradeiro se perdera na leveza do tempo, quando recomeçámos o relógio. O próprio mapa dos nomes passara a ser modesto, como aqueles lugares de pouca densidade populacional.

Essa era a nova partitura. O gesso que moldava a curvatura do tempo. Não eram precisos relógios novos. Tudo que que precisávamos era uma nova medida do tempo. Percebêramos que era viável deixar de praticar entorses no tempo. Ou de o forjar – que era o mesmo que tentar resumir todo o mar às duas mãos. O tempo era a medida levitada pela sua leveza. Ao contrário do tempo pretérito, em que um frívolo furor torcia as esquinas do tempo como se ele pudesse ter uma medida maior do que a dos espelhos, agora os relógios tinham deixado ser exercer a sua tirania. Dissemos bem-vindos à totalidade dos nossos seres, como se o tempo corresse à velocidade que desejava, que coincidia com os nossos desejos.

Já quanto os nomes, deixámo-los em quarentena. Uns quantos para mnemónica, para avivar a memória (que a memória não perde o seu equinócio). Não podíamos exaurir a nova medida do tempo com um caudal abundante de nomes. Os nomes por excesso colonizam o tempo por diante.

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