30.9.20

Whiskas saquetas

Perfume Genius, “Sides”, in https://www.youtube.com/watch?v=jjZqvLi43ac

Dois septuagenários, já a caminho da octogenária condição, disputam a presidência de um país (chamemos-lhe “Ocidentalândia” – também podia ser “Cowboylândia”). Aproxima-se o dia do primeiro debate transmitido pela televisão. O recandidato exige que o outro candidato se preste a um exame de despistagem de drogas antes do debate. 

O recandidato é que sabe da poda. Os serviços secretos (ou um punhado de lunáticos a seu soldo) terão descoberto que o outro candidato se perde nas noites intermináveis dos lugares mais procurados pelo êxtase da vida noturna em Ocidentalândia. São noites desvairadas com o deboche por pano de fundo e o prestimoso apoio de substâncias ilícitas – como poderia, de outro modo, o quase octogenário candidato aguentar noitadas consecutivas?

O recandidato tem de precaver. Deve o leitor ao rigor da análise um esforço de entronização no lugar onde se situa o recandidato: fará o que for preciso (até invocar batota, que só acontecerá na hipótese de derrota eleitoral) para manter a sinecura. Assim acontece com todos os detentores do poder que se recandidatam. A invocação da batota pesa mais do que simples ameaça: é todo um programa de intenções – o que pode ser ilegítimo se não correr de feição inverte o curso (e o juízo) se o pleito se saldar pelo triunfo. Ao recandidato devemos a surpreendente revelação: o seu adversário usa e abusa de drogas. Não seria outro o entendimento ao dar conta da condição imposta para nivelar o debate.

Ou então: o recandidato, imerso na condição de incorrigível apedeuta, terá informações de que o adversário tem as narinas largas por eventual consumo de mistelas inaladas que ativam a função cerebral; e de análises sanguíneas compatíveis com pastilhas que excitam o sistema nervoso-sensorial. Em vez de se nivelar pelo consumo de tais substâncias, o recandidato prefere o nivelamento por baixo, impedindo o adversário de recorrer ao manancial de substâncias psicotrópicas de que é um consabido consumidor. Aliás, um dia destes, o adversário foi apanhado a sair de uma after party a já altas horas da manhã, era quase hora do almoço e a consorte telefonou a lembrar do almoço que não tolerava atraso.

Está explicada a longevidade dos arcaicos candidatos às eleições da Cowboylândia. Não se confirma a imagem pré-datada dos foliões que gravitam no rock and roll e no punk e que, apanhados nas malhas das drogas, envelhecem precocemente (quando não partem desta muito antes do tempo). As drogas retardam o envelhecimento, previnem achaques próprios dos septuagenários e imprimem um vigor intelectual de que teriam inveja os adolescentes (se não estivessem à Leste das eleições). 

Ainda se há de descobrir o arsenal de drogas do candidato rival e as identidades dos dealers responsáveis pelo abastecimento contínuo. Até que, pela infâmia que se abaterá sobre o seu adversário, o recandidato fique sozinho no concurso eleitoral. Para, definitivamente, embolsar a garantia da vitória.

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