Não é da paz que nidifica no silêncio das armas. Mirífica, mas uma utopia sem sentido. Hão-de homens existir e dessa paz só ouviremos ecos nos líricos cantos de um devir ideal, tão ideal como impossível.
Há paz nos espíritos apaziguados. Há paz quando um ser não tropeça na volúvel opinião, que oscila com os ventos batidos de um quadrante ou de outro. E paz, quando sem contar apetece furar a rotina e terminar o dia a contemplar as cores garridas do pôr-do-sol, ver como o sol se deita nas longínquas águas do oceano profundo. Paz é quando as mãos se entrelaçam, apenas para sentirem a aveludada pele da pessoa amada. E paz regressa aos sentidos quando se escuta a palavra singela dos pais, os esteios da nossa existência.
A paz também se faz com o refrigério dos espíritos atormentados. Se a lucidez se ausenta e as miragens toldam os olhos, quando parece que vemos fantasmas acastelados no horizonte que acomoda a vista, vivemos entregues aos caprichos de uma feérica tempestade que sobressalta o sono. Perdemos o rasto do sossego interior, acossados pela demência que empurra para um precipício tão aterrador. Há paz na batalha que lutamos contra os demónios que se reanimam por dentro de nós. Paradoxal seja: há paz no ensaio que fazemos para exorcizar os fantasmas tão corrosivos. O discernimento da intranquilidade leveda a paz que emerge, como se fosse um reflexo condicionado, para contrariar o esconso e plúmbeo lugar onde a fraqueza nos remeteu.
Chegará sempre um dia da libertação. O dia em que todos os demónios deixam de ciciar ao ouvido, o dia em que as cores retornam à sua nitidez, as formas recuperam a textura de outrora. No êxtase da emancipação está o cadinho maior da paz. Tão grande, tão assustadoramente enternecedor, que se consome num instante tão fugaz; a paz evapora-se entre os dedos que a tentam capturar num retrato que ao menos faça as vezes de recordação. É um fluxo de sabores contraditórios – entre a ventura do arpoar da paz e a súbita desorientação quando, já entronizada, entra no altar da rotina.
Pela boca entram os sabores – ora doces ora amargos, um refluxo contínuo de dias luminosos entrecortados por dias sombrios. Não que estes tragam um sinónimo de tristeza e, com ela, a abdicação da paz que desfila diante dos olhos. Há nas sombras projectadas, nas nuvens tão carregadas de uma chuva impiedosa, uma insondável pulcritude que preenche os corpos. A paz encontra-se quando vamos ao encontro do lado escondido da feiura, ou do sofrimento, ou da resignação. Ela é a presciência da dignidade pessoal, o tão vulgar olhar no espelho sem padecer de vergonha. A demissão das responsabilidades é a maior guerra que o eu pode detonar em si mesmo.
A paz é poder viver. Em respeito com quem somos. Caminhar pelas ruas e poder olhar para os edifícios, fitar as faces dos transeuntes, demorar o olhar nas árvores que coabitam com o ar irrespirável da cidade. Ou refugiar no santuário da solidão, sentir o perfume que os montes e vales exalam, o ar tão leve que, dir-se-ia, cauciona a levitação dos corpos. Ter a paz é arte que não entra no cardápio das dificuldades que, obstinadas, amesendam quase todos os dias. Às vezes esquecemo-nos da paz que vagueia, dormente, pelas veias fora. É quando regressam os escuros fantasmas, os tiranetes da antítese da paz que eterniza uma vida condoída.
De resto, a paz é um hino à simplicidade das coisas. Esmiuçamos o racional que ressalta a superioridade humana e caímos na armadilha da complexidade que derrota a paz. O pior é que, aos que conseguem diagnosticar os males que embaciam a paz, à correcção do roteiro que encaminhou por caminhos cheios de espinhos segue-se a recaída. E parece que somos vigilantes sacerdotes de uma divindade que renega a paz. Endeusamos a turbulência interior, que envelhece antes do tempo. Ao menos, a consolação de saber quando a paz se ausenta. E resta a força para derrubar os demónios que empurram a cabeça para as águas fundas, no doloroso feito de resgatar a paz calmante quando, no limite da respiração sustida, nadamos em direcção à superfície.
A paz reside no indivíduo. Forjar uma paz dos povos é insidiosa aleivosia ao cancioneiro pacífico. Os feitores da paz, de tanto emudecerem a palavra na sua boca, gastam-na e deixam-na sem utilidade. São eles, sem darem conta, os arquitectos das guerras que despojam a paz dos indivíduos. Eis o testemunho de cepticismo pelos pastores da paz dos homens.
Há paz nos espíritos apaziguados. Há paz quando um ser não tropeça na volúvel opinião, que oscila com os ventos batidos de um quadrante ou de outro. E paz, quando sem contar apetece furar a rotina e terminar o dia a contemplar as cores garridas do pôr-do-sol, ver como o sol se deita nas longínquas águas do oceano profundo. Paz é quando as mãos se entrelaçam, apenas para sentirem a aveludada pele da pessoa amada. E paz regressa aos sentidos quando se escuta a palavra singela dos pais, os esteios da nossa existência.
A paz também se faz com o refrigério dos espíritos atormentados. Se a lucidez se ausenta e as miragens toldam os olhos, quando parece que vemos fantasmas acastelados no horizonte que acomoda a vista, vivemos entregues aos caprichos de uma feérica tempestade que sobressalta o sono. Perdemos o rasto do sossego interior, acossados pela demência que empurra para um precipício tão aterrador. Há paz na batalha que lutamos contra os demónios que se reanimam por dentro de nós. Paradoxal seja: há paz no ensaio que fazemos para exorcizar os fantasmas tão corrosivos. O discernimento da intranquilidade leveda a paz que emerge, como se fosse um reflexo condicionado, para contrariar o esconso e plúmbeo lugar onde a fraqueza nos remeteu.
Chegará sempre um dia da libertação. O dia em que todos os demónios deixam de ciciar ao ouvido, o dia em que as cores retornam à sua nitidez, as formas recuperam a textura de outrora. No êxtase da emancipação está o cadinho maior da paz. Tão grande, tão assustadoramente enternecedor, que se consome num instante tão fugaz; a paz evapora-se entre os dedos que a tentam capturar num retrato que ao menos faça as vezes de recordação. É um fluxo de sabores contraditórios – entre a ventura do arpoar da paz e a súbita desorientação quando, já entronizada, entra no altar da rotina.
Pela boca entram os sabores – ora doces ora amargos, um refluxo contínuo de dias luminosos entrecortados por dias sombrios. Não que estes tragam um sinónimo de tristeza e, com ela, a abdicação da paz que desfila diante dos olhos. Há nas sombras projectadas, nas nuvens tão carregadas de uma chuva impiedosa, uma insondável pulcritude que preenche os corpos. A paz encontra-se quando vamos ao encontro do lado escondido da feiura, ou do sofrimento, ou da resignação. Ela é a presciência da dignidade pessoal, o tão vulgar olhar no espelho sem padecer de vergonha. A demissão das responsabilidades é a maior guerra que o eu pode detonar em si mesmo.
A paz é poder viver. Em respeito com quem somos. Caminhar pelas ruas e poder olhar para os edifícios, fitar as faces dos transeuntes, demorar o olhar nas árvores que coabitam com o ar irrespirável da cidade. Ou refugiar no santuário da solidão, sentir o perfume que os montes e vales exalam, o ar tão leve que, dir-se-ia, cauciona a levitação dos corpos. Ter a paz é arte que não entra no cardápio das dificuldades que, obstinadas, amesendam quase todos os dias. Às vezes esquecemo-nos da paz que vagueia, dormente, pelas veias fora. É quando regressam os escuros fantasmas, os tiranetes da antítese da paz que eterniza uma vida condoída.
De resto, a paz é um hino à simplicidade das coisas. Esmiuçamos o racional que ressalta a superioridade humana e caímos na armadilha da complexidade que derrota a paz. O pior é que, aos que conseguem diagnosticar os males que embaciam a paz, à correcção do roteiro que encaminhou por caminhos cheios de espinhos segue-se a recaída. E parece que somos vigilantes sacerdotes de uma divindade que renega a paz. Endeusamos a turbulência interior, que envelhece antes do tempo. Ao menos, a consolação de saber quando a paz se ausenta. E resta a força para derrubar os demónios que empurram a cabeça para as águas fundas, no doloroso feito de resgatar a paz calmante quando, no limite da respiração sustida, nadamos em direcção à superfície.
A paz reside no indivíduo. Forjar uma paz dos povos é insidiosa aleivosia ao cancioneiro pacífico. Os feitores da paz, de tanto emudecerem a palavra na sua boca, gastam-na e deixam-na sem utilidade. São eles, sem darem conta, os arquitectos das guerras que despojam a paz dos indivíduos. Eis o testemunho de cepticismo pelos pastores da paz dos homens.
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