Está é uma terra que guarda intermináveis segredos. Há coisas que toda a gente conhece, sussurradas de ouvido em ouvido, com alguma maledicência à mistura, há que convir. Mas não se perca o fio à meada. Quem não fica aturdido com certas decisões dos eleitos, um mostruário do impensável que se mistura com inaptidão? Quem nunca foi brindado com estórias de cumplicidades entre autarcas, construção civil, o podre mundo do futebol, como os seus agentes – que tantas vezes se confundem num só – enriquecem absurdamente? Essas estórias passam na tela; e, contudo, no rodapé vem a legenda, repetitiva: não há corrupção nesta terra.
Locupletar à socapa, de norte a sul, quando o poder lhes cai nos braços. Cresce uma comandita que alimenta a rede, eles também à mercê de umas migalhas desta dolosa economia subterrânea. Os outros, os que ficam à margem do banquete, limitam-se a pagar os impostos, sacrificados com o lado dos deveres que também é cidadania. Os actores da corrupção passeiam-se orgulhosos dos feitos. Sabem que as estórias de corrupção jamais serão provadas em tribunal. Quando alguém ousa levantar o véu da corrupção, pleito marcado para tribunal: o acusado de corrupção vira a acusação às avessas e incrimina o acusador de difamação. Salda-se o pleito com a glorificação do acusado de corrupção, na patente impossibilidade de encontrar o rasto às provas da corrupção.
É uma doença congénita. Uma maleita traiçoeira, porque de todos conhecida mas por ninguém denunciada. Apenas suspeitas. Apenas sinais exteriores de riqueza que o salário do detentor do poder não explica. E perversas cumplicidades, sempre os mesmos que tomam lugar nos banquetes – as mesmas empresas de construção que ganham concursos públicos; contratação de funcionários com critérios obscuros, onde fala mais alto a militância partidária ou o empurrão dado pela pessoa certa; os grandes empresários que movem as suas influências para as decisões políticas estratégicas serem do seu agrado, numa intimidade que desmerece o rótulo de iniciativa privada que deviam ostentar.
Com o mal espalhado, quase todos assobiam para o alto. Com a agravante do mal se enraizar mais ainda, contaminando até aqueles que sempre recusaram empestar a podridão. Chega o momento em que de tantas vezes ficarem para trás, percebem que têm que fazer o jogo instalado. Aos poucos, a corrupção tentacular engaveta mais e mais pessoas que lhe tinham sido imunes. O vírus espalha-se depressa. Encamisa o país, amordaçado por uma corruptela que ganhou o estatuto de coisa congénita.
Se alguém rompe a modorra e tenta furar a maré, só obstáculos pela frente. Quem oferecem os obstáculos é porta-voz da confissão da corrupção enraizada. Um deputado socialista desdobra-se em vãs tentativas de aprovação de leis que tentam domar a corrupção na política. O deputado é do partido do governo. A sua própria bancada parlamentar é a primeira adversária dos esforços de moralização da coisa pública. No mínimo, é motivo para alimentar suspeitas: de que está à espera a bancada socialista para abençoar a iniciativa anti-corrupção do deputado Cravinho? A pergunta pode ser formulada noutras variantes: de que têm medo os deputados socialistas? Que rabos-de-palha falam mais alto?
Talvez a proposta do deputado Cravinho tenha feito mossa nos meandros do governo, a atestar pela reforma dourada e longínqua que o governo lhe ofereceu – um lugar na administração do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (BERD). A pessoa mais conveniente para o lugar. Não a que tem o melhor perfil, mas a que convém arrumar para um lugar esconso, de onde deixará de ser a voz incómoda para os instalados grupos de interesses que emparelham com a classe política. Há actos que são a denúncia evidente das intenções dos seus autores.
A menos que tudo isto seja uma – mais uma – encenação de que a classe política é perita. As interrogações desfilam, incessantes, diante dos meus olhos: se Cravinho estava empenhado em combater a corrupção, porque aceitou o lugar no BERD? Teria Cravinho feito o papel do deputado rebelde, que vem mexer na imundície instalada, passando a imagem de que os socialistas estão preocupados com a corrupção? Uma no cravo e outra na ferradura? Dos políticos estou habituado a esperar tudo, especialmente no pior registo. E, quando há dias vi um socialista primeiro-ministro espanhol a fazer um humilde acto de contrição diante do parlamento e dos eleitores, reconhecendo que errou na negociação com os terroristas da ETA, só pude desconfiar de encenação. Lá como cá, um chorrilho de encenações, a arte da imagem composta que oferece uma classe política falsa.
A derradeira perplexidade é a mais perturbante: os deputados socialistas continuam a colocar armadilhas no percurso da lei anti-corrupção que Cravinho pretendia discutir. Se a lei não se aplica aos crimes passados, mas apenas aos futuros, fermenta a suspeição de que há muita corrupção pela frente que não pode ser desperdiçada. Muitas oportunidades que a lei iria cercear. Por vezes, mais que as palavras e os actos, as omissões são mais reveladoras.
Locupletar à socapa, de norte a sul, quando o poder lhes cai nos braços. Cresce uma comandita que alimenta a rede, eles também à mercê de umas migalhas desta dolosa economia subterrânea. Os outros, os que ficam à margem do banquete, limitam-se a pagar os impostos, sacrificados com o lado dos deveres que também é cidadania. Os actores da corrupção passeiam-se orgulhosos dos feitos. Sabem que as estórias de corrupção jamais serão provadas em tribunal. Quando alguém ousa levantar o véu da corrupção, pleito marcado para tribunal: o acusado de corrupção vira a acusação às avessas e incrimina o acusador de difamação. Salda-se o pleito com a glorificação do acusado de corrupção, na patente impossibilidade de encontrar o rasto às provas da corrupção.
É uma doença congénita. Uma maleita traiçoeira, porque de todos conhecida mas por ninguém denunciada. Apenas suspeitas. Apenas sinais exteriores de riqueza que o salário do detentor do poder não explica. E perversas cumplicidades, sempre os mesmos que tomam lugar nos banquetes – as mesmas empresas de construção que ganham concursos públicos; contratação de funcionários com critérios obscuros, onde fala mais alto a militância partidária ou o empurrão dado pela pessoa certa; os grandes empresários que movem as suas influências para as decisões políticas estratégicas serem do seu agrado, numa intimidade que desmerece o rótulo de iniciativa privada que deviam ostentar.
Com o mal espalhado, quase todos assobiam para o alto. Com a agravante do mal se enraizar mais ainda, contaminando até aqueles que sempre recusaram empestar a podridão. Chega o momento em que de tantas vezes ficarem para trás, percebem que têm que fazer o jogo instalado. Aos poucos, a corrupção tentacular engaveta mais e mais pessoas que lhe tinham sido imunes. O vírus espalha-se depressa. Encamisa o país, amordaçado por uma corruptela que ganhou o estatuto de coisa congénita.
Se alguém rompe a modorra e tenta furar a maré, só obstáculos pela frente. Quem oferecem os obstáculos é porta-voz da confissão da corrupção enraizada. Um deputado socialista desdobra-se em vãs tentativas de aprovação de leis que tentam domar a corrupção na política. O deputado é do partido do governo. A sua própria bancada parlamentar é a primeira adversária dos esforços de moralização da coisa pública. No mínimo, é motivo para alimentar suspeitas: de que está à espera a bancada socialista para abençoar a iniciativa anti-corrupção do deputado Cravinho? A pergunta pode ser formulada noutras variantes: de que têm medo os deputados socialistas? Que rabos-de-palha falam mais alto?
Talvez a proposta do deputado Cravinho tenha feito mossa nos meandros do governo, a atestar pela reforma dourada e longínqua que o governo lhe ofereceu – um lugar na administração do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (BERD). A pessoa mais conveniente para o lugar. Não a que tem o melhor perfil, mas a que convém arrumar para um lugar esconso, de onde deixará de ser a voz incómoda para os instalados grupos de interesses que emparelham com a classe política. Há actos que são a denúncia evidente das intenções dos seus autores.
A menos que tudo isto seja uma – mais uma – encenação de que a classe política é perita. As interrogações desfilam, incessantes, diante dos meus olhos: se Cravinho estava empenhado em combater a corrupção, porque aceitou o lugar no BERD? Teria Cravinho feito o papel do deputado rebelde, que vem mexer na imundície instalada, passando a imagem de que os socialistas estão preocupados com a corrupção? Uma no cravo e outra na ferradura? Dos políticos estou habituado a esperar tudo, especialmente no pior registo. E, quando há dias vi um socialista primeiro-ministro espanhol a fazer um humilde acto de contrição diante do parlamento e dos eleitores, reconhecendo que errou na negociação com os terroristas da ETA, só pude desconfiar de encenação. Lá como cá, um chorrilho de encenações, a arte da imagem composta que oferece uma classe política falsa.
A derradeira perplexidade é a mais perturbante: os deputados socialistas continuam a colocar armadilhas no percurso da lei anti-corrupção que Cravinho pretendia discutir. Se a lei não se aplica aos crimes passados, mas apenas aos futuros, fermenta a suspeição de que há muita corrupção pela frente que não pode ser desperdiçada. Muitas oportunidades que a lei iria cercear. Por vezes, mais que as palavras e os actos, as omissões são mais reveladoras.
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