30.1.07

E as plásticas, não devem ser comparticipadas?


O Dr. Póvoas, afamado médico das dietas do Porto, foi entrevistado pelo Primeiro de Janeiro. O jornalista perguntou se “a medicina estética devia ser comparticipada”. Ao que o especialista retorquiu que devia ser “uma obrigação social.” Sem se deter, acrescentou que o “obeso é sempre o parente pobre e os medicamentos para a obesidade aprovados pela FDA custam perto dos 90 euros por mês. Quem é que pode? Não são comparticipados. Mas uma obesidade arrasta uma hipertensão, diabetes, problemas articulares, depressivos…e depois comparticipa-mos (sic) as consequências dessa obesidade. Está errado. Se os medicamentos fossem mais acessíveis e comparticipados, as outras doenças que vêm por arrasto seriam evitadas, como acidentes vasculares, enfartes, etc.

É tudo uma questão de prioridades. Há que descontar a possibilidade do Dr. Póvoas ter actuado como juiz em causa própria. Possivelmente sabe que uma das consequências da comparticipação pública dos medicamentos anti-obesidade seria uma enxurrada de pacientes no seu consultório. Do custo fixo das suas consultas não teriam como se livrar, os pacientes. Todavia, o Dr. Póvoas, decerto informado do catecismo dos economistas, saberia que perante a inundação de clientes podia praticar preços mais baixos. Era um fartote de proventos – e até o paternalista Estado ficaria a ganhar, pois à sua conta os rendimentos gordos do Dr. Póvoas fariam lucrar o guloso fisco.

Repito, é uma questão de prioridades. Se me é facultado o direito opinativo, estou cansado de pagar impostos por tudo e mais alguma coisa, para satisfazer os gastos (as mais das vezes excêntricos) dos sucessivos governos. Se é que tenho o direito de reivindicar enquanto sorumbático pagador de impostos, cá fica a exigência: façam o que quiserem, desde que não aumentem os impostos que sou obrigado a pagar. Querem financiar os medicamentos dos pacientes do Dr. Póvoas? Seja – mas retirem essa fatia de outra rubrica: seja das peças de teatro subsidiadas pelo ministério da cultura, ou da reparação de estradas, ou desafectando pessoal das forças armadas, ou até – e porque não? – cortando a eito no orçamento sumptuosamente consumido pelas tropas diversas.

E, já agora, convoque-se um brainstorming para discernir outras prioridades que arroteiam a felicidade do povo. Subsidiam-se os medicamentos contra a obesidade? Faça-se o mesmo às cirurgias plásticas que nos reconciliam com uma estética corporal que o espelho não envergonhe. Redefinam-se as prioridades: nem hérnias, ou amígdalas, ou meniscos destruídos, ou tratamentos a maleitas que trazem só um ligeiro incómodo. Desviem-se esses dinheiros para as cirurgias que ora corrigem narizes proeminentes, ora acrescentam silicone aos seios de senhoras que anseiam pela respectiva protuberância, ora extirpam quilos e quilos de massa adiposa das ancas e dos abdominais. Que o botox seja entronizado na categoria de prioridades do sistema nacional de saúde, para vermos mais meninas com lábios tão carnudos que até a cabeça lhes descai para a frente, ou senhoras pequeninas com seios tão avantajados que o respectivo centro de gravidade passa a ter novas coordenadas.

São estas coisas que fazem bem à vista. Pessoas desprovidas de gorduras fátuas, reconciliadas com a estética. Pessoas sem vergonha de se olharem ao espelho, coabitando com a auto-estima pessoal. Há, claro, vítimas colaterais. Os divãs dos psiquiatras passam a acumular mais pó perante a debandada dos pacientes com ego insuflado. E não sei se as infidelidades upa-upa, com o desfile de corpos enxutos, caras corrigidas de imperfeições, mais um tentador diabo à solta. Trabalhos forçados para os senhores juízes que julgam divórcios, mais famílias destruídas (ou apenas a felicidade pessoal recomposta noutro agregado), mais lucros para os endemoninhados advogados tarimbados em separações litigiosas.

É para isto que inventaram o Estado, modalidade paternalista a que nos habituámos. Para colmatar erros individuais, que a gula e o despropósito alimentar e a falta de exercício físico plantaram-nos à porta da obesidade, da qual acordamos convictos que a culpa é alheia. Para a correcção das inestéticas dobras que a natureza plantou no nosso corpo, ou para as feiuras que o implacável deus semeou em nós. Que os impostos que pagamos tenham serventia individual. Possam estes lapsos ser corrigidos pelas terapêuticas certas. O sistema nacional de saúde arca com as despesas. Ao menos o Estado sabe, de antemão, que terá entre si cidadãos irradiando uma intensa felicidade pessoal.

Haja visionários como o Dr. Póvoas, almas generosas que oferecem esta consultoria a quem direito sem cobrar um cêntimo. Que os haja às carradas, para romper com a letargia dominante. Este povo merece que as pétalas da felicidade sobre si tombem, em forma de benfazeja chuva.

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