The Breeders, “Divine Hammer”, in https://www.youtube.com/watch?v=F9il_iQ8bDM
Parecemos personagens de outro filme, como se o palco morasse na casa do lado (ou noutra qualquer) e andássemos desorientados como um gato que chega a uma casa nova. Não é nossa aquela pele. Não é este o sangue que nos faz falar. E, todavia, as pessoas que habitam o pesadelo são (umas) conhecidas e (outras) perfeitos anónimos, muitas vezes apenas um corpo sem um rosto. Os pesadelos dissolvem os nomes por dentro. Dissolvem-nos quando acordamos sobressaltados e acreditamos, por umas frações de segundo, que estávamos a ser personagens conscientes do pesadelo interrompido.
Depois, o pesadelo fica a pesar sobre as costas como um fardo que onera boa parte do dia. Às vezes, quando os pesadelos são tão medonhos que corrompem a atenção que o dia exige, pesam sobre a totalidade do dia. Adiamos o sono por temermos que dê continuidade ao pesadelo. Resistimos, inventamos uma insónia, se preciso for. Até que o cansaço do dia, exacerbado pelo peso do pesadelo, se sobrepõe. Varremos os receios: o pesadelo pretérito extinguiu-se quando foi interrompido pelos solavancos da consciência. Dele não fica o menor vestígio.
Mas não temos garantias que um pesadelo arquivado não se reative nas memórias que resgatam as suas fundações às profundezas de um mecanismo desconhecido. O pesadelo pode estornar sem estarmos a dormir. Porque dele nos recordamos à força de uma ignição inesperada, reconciliando a memória com as teias do pesadelo que estava hibernado; ou porque o pesadelo se confirma como o pressentimento de algo que acabou de acontecer. A sua ignição é o tumulto que não pediu licença para ferver o sangue em sobressalto.
Os pesadelos podem ter um amanhã guardado debaixo da pele. São como vulcões dados como extintos que desmentem a sindicância dos cientistas. Irrompem, sem pré-aviso, debitando toda a lava que se deita sobre as nossas costas. Ninguém está a salvo de um corpo corcovado por ação dos pesadelos que se julgavam extintos. Andamos com eles às costas, até aqueles que são indiferentes por terem faltado ao paradeiro que os inventaria.
Somos um pouco como os pesadelos que quiseram, contra a nossa vontade, atear uma conspiração que nos consome.
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