17.8.11

A tua liberdade


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As espingardas depostas, preconceitos devolvidos à letargia: evoca-se a liberdade. Entre dois cigarros mal fumados, o fumo nervosamente atirado em todas as direcções, as mãos metem-se em assuntos outrora vedados. Eram de uma espessura irremível e agora decantam-se na finura de uma translúcida folha de papel vegetal. Aproveitam-se os rebordos dessa folha para anotar pensamentos que não podem ser esquecidos, pensamentos todavia adiados para melhor ocasião.
A luz embaciada da névoa ao fim da tarde esbulha as ameias dantes impermeáveis. Afinal, de supetão, com um passo determinado e coragem na filtragem das ideias, as ameias parecem degraus de um castelo de anões. Esgrimem-se argumentos que se soltam das masmorras que eram o acanhado quarto das palavras indizíveis. Umas gotas ocasionais de chuva, da chuva intimidada pelo pulcro estio, caem sobre os rostos afogueados. As ideias ferventes transmitem essa febre sem ser doença. Era como se estivessem num jogo e não houvesse lugar ao bluff; as cartas todas na mesa, sem nada a esconder, nada a temer.
Queixavam-se da liberdade retorcida. Havia passos travados, vielas proibidas, luzes que não podiam assomar aos olhos, palavras que se acanhavam no pudor ou no respeito, gestos reprimidos, cálculos premeditados que bolçavam falsária espontaneidade. Parecia que a sitiada liberdade estava embebida no outro. Em ambos. De repente, olhavam-se e pareciam-se estranhos. Aos óculos que repousavam na pedra do cais pediam-se lentes que mudassem os espartilhos que doíam. Que deixassem de o ser, ou que a disciplina interior já os não visse como tal. O chão insuportavelmente ardente era um presságio. Não tinham usura desse chão. Os pés seguiam descompassados em ruelas que eram a sua antítese.
Andaram dias a fio a trocar palavras sobre a cerceada liberdade que sentiam. Alguém cedeu. Ele disse: “pela tua insaciável liberdade, há outra que mete âncora nos mares onde só há miragens.” 

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