24.8.11

Está um Outono do caraças e a fábula do homem produtivo


Quando ontem de manhã desembarquei em Londres, a chuva pegada, os 14 graus de temperatura e a atmosfera macilenta fizeram-me atar diversas pontas. Lembrei-me logo de muitos familiares, amigos e conhecidos que ao verem aquele Outono (lusitanamente a destempo) apanhavam, se pudessem, o avião de volta à pátria da climatologia generosa. Lembrei-me dos meses de estadia em Brighton no fim dos meus estudos - e de como contava a fieira de dias em que só havia a sinfonia da chuva, leve, moderada ou passada pelo filão de uma tempestade. Por essa altura compreendi o lagarto que habita em cada britânico: é tamanha a bebedeira de água abençoada pelos deuses do clima, que mal sentem uns intimidados raios de sol a despontarem por detrás das nuvens se espraiam nos relvados em esquálidas t-shirts, mesmo que do norte soprem temperaturas só com um dígito.

A confirmar que há muitas Europas dentro da Europa (o que, dando uma vista de olhos à conjuntura, dava um rosário de falatório), o londrino Outono antecipado trouxe à memória conversa recente com um amigo. Ele estava atiçado contra os alemães que só olham ao seu umbigo e se estão nas tintas para os pobretanas meditarrânicos assolapados com dívidas que nem imaginam como vão saldar. Entrou na discussão a metáfora da cigarra e da formiga (nós a cigarra cheia de prodigalidade e desatenta ao futuro, os hunos a fazerem de precatadas formigas). No esgrima de argumentos, este: deve custar aos alemães que parte dos impostos que pagam desagua nas cigarras imprevidentes. Veio à baila a genética do clima - ou de como o clima se embebe na genética dos povos. Disse o meu amigo: se os alemães tivessem o nosso tempo generoso seriam tão preguiçosos como nos acusam de sermos. E vice-versa: se a climatologia do centro da Europa se reformasse junto ao mar meditarrânico, éramos tão bons como os que nos invejam o clima (e outras coisas da nossa idiossincrasia que não são para aqui chamadas...).

Ao ver como a chuva esbofeteava com fúria as janelas do combóio que me levava do aeroporto até Londres, estive para dar o braço a torcer. Só faltava provar, naquele exercício especulativo do meu amigo, se com tão mau tempo na nossa genética não éramos acometidos de depressão por tanto chover. E das duas, uma: ou galopávamos no absentismo por doenças do foro mental, ou de irmos ao trabalho contrariados dali não haveria de sair grande obra.

(Em Reiquejavique, Islândia)

Sem comentários: