16.8.11

À solta


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Os freios desembestados, enfim. A argila, o açaime da inércia e do tempo em demasia, esboroa-se na alvorada dos sentidos. Despontam da hibernação voluntária, saciam-se com a resplandecência da luz matinal. Pelas narinas, o ar fresco e orvalhado é aspirado, profundamente aspirado, com volúpia. Cotejam-se as palavras perdidas à medida que se arrojam os freios. Os olhos cavalgam nas páginas há tanto adiadas. A mão tacteia a superfície enrugada das árvores. Dir-se-ia que a vivência era reaprendida.
Já não há algemas. Os braços movem-se com a amplitude cevada ao limite. Esbraceja, compõe os gestos de uma coreografia sublime na sua semelhança com o voo ensaiado das andorinhas em celebração primaveril. Nem a chuva que destronara o sol inspirador colheu o regresso ao lúgubre marasmo. A chuva em embaraçosa intromissão nos alvores veraneais sossegava a intensidade dos movimentos, a tanta intensidade que podia, pelo contraponto com a inércia findada, desatar uma apoplexia. À solta, as ideias atamancam-se numa diáspora de cores e sons. Um caos em sentido. Com sentido.
Dos dias de forte amplexo que açambarcaram os movimentos só sobra remota lembrança. E, contudo, os freios tinham sido arrimados há um par de dias. A embriaguez do desembaraço das ataduras refazia os pontos cardeais das memórias. Pode-se dizer: a memória ganhou a sua espessura selectiva. Era como se os dias nem precisassem de sono, tal era a vertigem que se acometia, a sede de resgatar à náusea do tempo hibernado a força para o jogar no porvir. Como se fosse possível usar o tempo de antanho em crédito para todos os amanhãs em espera.
Os dias celebravam-se sem peias, sem palavras ditas que soassem, ao de leve que fosse, a algemas mentais. Só havia vontade individual. E responsabilidade. Os dias assim, atapetados pelas formas de um paraíso imaginado, podiam ser sonhos apenas. Havia vontade e ciência para domar os sonhos. À solta, as palavras davam forma às ideias no seu trote imparável. Seriam dias de perfeita tempestade cerebral. O epílogo de um conto demorado que, no fim, derrotava a indigência mental.

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