24.9.18

Tie-break


Passions, “I’m in Love With a German Film Star”, in https://www.youtube.com/watch?v=5-3JNRC2gvo
A ver quem adormece mais tarde: o tira-teimas em levitação, sem razão aparente, a não ser o choque de titãs das teimosias impregnadas. Não há quem queira dar o braço a torcer. Oxalá sejam descobertas distrações capazes de prolongar a insónia. No embate das teimosias, as forças jogam-se em refluxo de si mesmas. Mas ninguém o quer admitir, ninguém permite o menor sinal exterior de capitulação. 
O jogo adianta-se. Demora-se no que já parece uma eternidade. Não sai do empate, que se afivela na exata medida da teimosia que alimenta os competidores. Aquele que rompe o silêncio é sinal de fraqueza: é porque precisa de conversar para arrastar o cansaço para além do fio do tempo. Por isso, o silêncio tem um prazo de validade de uma largueza excruciante. Por cada sílaba de silêncio parece que os segundos se demoram, desmentindo a aritmética do tempo. Mas ninguém quer saldar o pleito com o rosto rebaixado dos derrotados. A noite já acabou e não há maneira de se adivinhar o epílogo. 
Saem à rua: o ar fresco da manhã, ainda pouco povoada, repara os sinais de fraqueza. Param no primeiro café para o pequeno-almoço. Um café forte precede o pequeno-almoço, que termina com outro café forte. Pelo meio da manhã, ainda sem sinais de um dos competidores molejar, o silêncio já não ocupa mais tempo do que as palavras. Não concedem, mas é o primeiro sinal de que o sono derrotará a teimosia impenitente. Ainda almoçam. Terminam o repasto com um café duplo, para multiplicar a vitamina que intui o arrastamento do cansaço. 
Lá fora, os cães, em matilha, ladram furiosamente. Demoram-se no protesto. Terão saído à rua em protesto, pois estes são tempos em que as corporações fazem valer os direitos que reclamam e o protesto público serve de caução. Nenhum dos competidores sabe por que protesta a matilha. Talvez estejam descontentes com a qualidade da ração. Ou em comício a favor dos movimentos que defendem os direitos dos animais – ou, quem sabe, num protesto ruidoso depois de saberem que um touro foi estupidamente morto numa boçal festa popular. Um dos competidores estava para jurar que ouviu um dos cães dizer que se devem fechar as fronteiras aos refugiados. O outro contrapôs que um outro membro da matilha deu uma entrevista na televisão e, em discurso escorreito, perorou sobre a estética e a densa filosofia da outrora rapariguinha de shopping que foi contratada, a peso de ouro, por uma estação de televisão. 
O tie-break findou num empate técnico.

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