13.9.18

Dou-te um Tejo de presente (short stories #29)


Indignu [lat], “Foi Outubro”, in https://www.youtube.com/watch?v=rPWMco2rutc
          Não olhes o vazio do tempo. Que os jardins alindados, em sua aformoseada constelação de cores, inundem o olhar com os pergaminhos da candura. Em caso de dúvida, regressa à mnemónica, ao estiolado vulto que já não açambarca medos, ao ramalhete de rosas silvestres que empresta aroma às manhãs. No sopé das maravilhas, onde teu seio acolhe a mão minha ávida, ascendemos ao lugar onde pertencemos como soberanos. Metemos pelas ruas estreitas sem saber onde estamos, sem saber sequer para onde vamos. Deixamos os sentidos ganhar corpo e sobre os corpos prevalecerem. Há um ode longínqua que reverbera suas estrofes no peito que as chama. Não precisamos de hinos. Aspiramos ao promontório escondido de onde desenhamos a janela que se verte sobre o mar. Podia dizer: “dou-te um Tejo de presente.” E digo. Mesmo sabendo que um Tejo de presente é pecúlio magro para a soma de mundos que me trazes de repasto. Mesmo sabendo que do presente somos tutores sem medo. E vamos à orla do Tejo, onde a maré baixa deixa à mostra os vestígios não levados pela maré antecessora. Percorremos o chão túrgido que se abeira do rio. Não nos assusta o chão enlameado. Se deitássemos uma régua no fio que encima o leito do Tejo, haveríamos de descobrir as equações não simuladas que desembaraçam os equívocos. Só por curiosidade. Que um olhar de rompante, fulminante como a trovoada é admirada enquanto fenómeno da natureza, descobre em nós o apetite pelo mundo. Trazemos as palavras do ninho de onde as descobrimos. Sabemos o que fazer com elas. Como ninguém. Sabemos como as compor num sortilégio sempre inacabado. Às medidas protocolares, dizemos que não. Pois o Tejo, em seu amplo estuário, tão amplo que reduz a quase nada o casario do outro lado da margem, é uma força arrebatadora, o caudal onde se sufragam as luzes diuturnas. O Tejo que te dou de presente, é o chão sereno onde as convulsões se saldam. O Tejo que te dou de presente, o casario insaciável onde se deita o tempo na sua medida certa.

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