5.9.18

Bolsa de resistência (short stories #24)


Mogwai, “Donuts”, in https://www.youtube.com/watch?v=_5CHTscFyFo
       Que sorte é esta que se perde no vulto inebriado com o nevoeiro da manhã? Não se hipotequem os campos sombrios só por não estarem sob a alçada do sol. Que desatem a esvoaçar os sacerdotes da destemperança, ávidos para apanhar o próximo comboio da ilusão no apeadeiro mais à mão. São eles, os bastiões da resistência – os que recusam a conformidade dos espelhos propositadamente baços, em estilos medievais que escondem a grandeza que se alberga em cada alma. Resistem: fazem o que intuem ser melhor, quando lá fora sussurra o vento fétido da aceitação acrítica. Na bolsa de resistência, o azar dilui-se na sua astúcia. Aprende-se que só somos reféns do azar quando, por dele termos medo e de tanto dele fugirmos, acabamos por ser seu chamariz. Essa é a maior sorte que se pode açambarcar no promontório de onde se alcançam os horizontes escondidos atrás do horizonte fácil. Não coalescem as presas de outrora se não na vontade de não repetirem a desdita. A apatia sitia a vontade e sufraga-a na catedral vetusta onde cantam as vontades exteriores. Onde essas vontades se sobrepõem, por um critério qualquer. O imperativo é resistir. Contra a sensação gasta de que não somos tutores da nossa própria vontade. Contra os suseranos que protestam, a seu favor, o abuso do poder de quem chama a si o estatuto. Contra os enxovalhos de quem usurpa a vontade exterior a si. Por dentro da bolsa de resistência, nem interessa denunciar esses atropelos. A vacina recebida torna essas torpezas irrelevantes, impróprias para a identidade dos que militam nela. Tudo se passa como se a bolsa de resistência estivesse alojada num castelo inacessível aos torpes. Com paredes de aço, ameias torneadas por arestas de arame e um sol imenso a iluminar as suas entranhas, até ao mais fundo delas; a vitamina necessária para indeferir as angústias fabricadas de fora para dentro. A sorte que não se indaga.

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