The The, “Good Morning Beautiful”, in https://www.youtube.com/watch?v=fwv9IAKajc4
Há uma inexplicável descoincidência entre os apeadeiros e a atenção que deviam merecer. Os comboios apressados passam pelos apeadeiros quase sem darem conta. Nos comboios apressados, de tanta a velocidade, não é possível saber a que terra corresponde o apeadeiro. Dir-se-ia: são comboios importantes; e os apeadeiros, pequenos pontos irrelevantes na cartografia dos comboios, pouco fazem para sequer chegarem ao estatuto de figurantes. É a metáfora acabada dos tempos vertiginosos. De tanta ser a pressa para apressarmos o tempo, queremos que se encurte a distância entre a casa da partida e o destino. Tudo pelo meio perde validade. No afã de tão depressa arrematar o destino, toda a distância entre a casa da partida e o destino é um contratempo. Não chega a haver atenção para os segredos escondidos nos lugares que medeiam a casa da partida e o destino. É o fatalismo que nos cerca, na sociedade cheia de pressa para esgotar o seu tempo – nesta sociedade tão etereamente circense. (No âmago do mais controverso paradoxo: é como se estivéssemos fartos do tempo e nos apressássemos a exauri-lo, como medida certa para a finitude que nos espera.) O olhar distrai-se. Sob o seu perímetro escapam as paisagens bucólicas, os lugares ungidos de beleza, as lições de cultura embebidas nos exíguos lugares que ficam sem recordação, um canto do tempo que, de tão sublime, se emoldura na sua possível intemporalidade. Os apeadeiros materializam a lente desfocada de que é tributária a modernidade para onde somos atirados. Os apeadeiros são espasmos que se metem no meio da apressada cavalgada do comboio importante. No fogaréu das coisas entendidas como importantes, o olhar sitia-se num equívoco. Numa camada inferior à sua alçada, perdem-se na desmemória todos os apeadeiros que mereciam demorada paragem. Até que haja tempo para entender que o tempo não merece ser precipitado. Até que à lucidez venham os rudimentos das pequenas e intensas coisas que se sobrepõem às miragens infecundas, aquelas que dispensam a paisagem estabelecida entre a casa da partida e o destino marcado a tinta da China.
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