19.9.18

A não demonstração do iniludível: deuses com pés de barro (short stories #33)


Kid Creole & the Coconuts, “I’m a Wonderful Thing, Baby”, in https://www.youtube.com/watch?v=-RGgSdQubnM
          Quão bem fazem as termas – e o chá de camomila; e um banho de modéstia? Muito. Sobretudo se as parangonas desfizerem a unção quimérica que se abate sobre os (soi-disant) predestinados. É um banho de sinal contrário: um banho de humildade, as águas temperadas com um módico de realidade, só para perceberem que o pedestal não tem alicerces e o cais em que se dizem ancorados é uma ilha fragilmente hasteada no meio de um mar cercado por nada. À ideia dos deuses com pés de barro opõem-se as impossibilidades. Primeiro, da ideia de deus. (A negação metafísica e a discussão que se segue é deixada para outras núpcias.) Segundo, o barro é de uma fragilidade confrangedora. Na aparência, matéria pétrea. Ao menor abalo, qualquer que seja a tergiversação, o barro funde-se com a sujidade do chão onde se despedaça. Os vestígios, mesmo que sejam colados, não permitem a fruição do original. É apenas um sucedâneo, com a inerente adulteração. Afinal, o iniludível é um embuste. O ponto de mira sem presa à vista, um tiro de pólvora seca. As proclamações contundentes não passam de palavras vazias. As juras são o despeito do passado. Em vez do verniz, e uma vez ele decapado, a autêntica essência deixa à mostra deuses com viabilidade humana – logo, se bem se percebe a ideia dos que patrocinam a deificação, uma contradição de termos (a divina condição não estará ao alcance dos simples mortais). Talvez por isso esteja adjacente a ideia dos pés de barro. Serem só os pés é revelador; falta o resto para se imbuírem de uma armadura inexpugnável. Mas mesmo que sejam de barro os pés, não se percebe que divina condição lhes assiste. Pois se de barro são feitos seus pés, e se o barro é matéria inerte que condena os passos à inércia, estes serão deuses que não saem do mesmo lugar. Triste destino, o destes putativos deuses, condenados à exiguidade de um espaço. Prouvera um pouco de termas (ou de chá, ou um banho de modéstia), para ao menos alargarem horizontes e fazerem jus à (soi-disante) condição de deuses.

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