Tricky, “The Only Way” (live at France Inter), in https://www.youtube.com/watch?v=S2iNRBWzeBY
Grandiloquente projeto irrompe numa alvorada disposta no mapa das possíveis proezas. Em silêncio, apenas no recobro do pensamento, desenham-se os contornos. Primeiro, as linhas-mestras. Depois, as fronteiras em que se contém o projeto. Em sua sequência, os detalhes vão saindo do novelo. Ramificações que se desdobram em sub-ramificações. Um todo já complexo e ainda não foi alinhavada uma frase no papel. As ideias ficam a fermentar, o dia inteiro. Parece que esse dia foi de hibernação: não fosse pela convulsão do pensamento, dir-se-ia que foi um dia que saltou por cima do calendário. Depois do sono, as ideias voltaram a sussurrar ideias outras ao pensamento. Mais ramificações numa árvore já densa. Até a ver, o pensamento conseguiu guardar na memória a planta onde a ideia se esboça. Mas depois há outras empreitadas que se metem pelo caminho. Empreitadas umas urgentes, ultrapassando a ideia que cristaliza o projeto grandiloquente. Outras, tornadas urgentes como pretexto para procrastinar o projeto. Até parece que o projeto, de tão grandiloquente, amedronta. Tolhe o pensamento, sobressaltado com tamanha ousadia, incerto da capacidade para pegar de caras na ideia e levá-la pela trela por onde ela quiser ir. Talvez seja isso: o medo de que a ideia ganhe corpo próprio e se emancipe da ideia como foi desenhada nos seus alvores. Esse medo não devia adejar. As ideias podem ser obrigadas a percorrer um curso diferente do pensado no início. As hipóteses podem formular interrogações que se desdobram em interrogações posteriores que levam a lugar nenhum; ou que são a caução de outras interrogações que obrigam a desviar o curso da ideia. É quando a ideia se enovela na complexidade. Por mais que o pensamento se afirme despojado de peias, pode travar o passo ao ser desafiado por uma complexidade que transborda as possibilidades. Ou pode ser apenas o espaço sideral entre as ideias formuladas em pensamento e o entorpecimento de as passar ao papel, o pensamento trespassado pela sua própria gula. À frente da página em branco, sitiado por uma incapacidade de fazer passar as ideias a escrito, uma voz sem rosto murmura incessantemente o ato falhado. Não faz mal. Ao menos, fica registada a tentativa para memória futura.
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