Sugarcubes, “Birthday”, in https://www.youtube.com/watch?v=edmDN11BxCY
Quando alguém denuncia um preconceito, pode dizer que não tem os seus (talvez bem escondidos – ou apenas, os seus obnubilados) preconceitos? É repulsiva, a bazófia moral dos que patrulham preconceitos dos outros e os apontam a dedo como matéria altamente danosa, como se alguém lhes tivesse pedido para serem juízes da integridade alheia – e como se, a eles próprios, não fosse dada a inventariação dos seus preconceitos. Não se acredite que haja vivalma imune ao estigma dos preconceitos. O sindicalista insurge-se contra os fartos proventos do banqueiro; tem aversão aos obscenos lucros que revertem para os afortunados. O sindicalista denuncia o preconceito do banqueiro: o libelo acusatório é do banqueiro como alma grotescamente empedernida, insensível às carências dos necessitados. O sindicalista talvez não conheça o banqueiro a ponto de poder afirmar o preconceito que dele ensaia protesto. O pressuposto é linear: o banqueiro é abastado e não olha para baixo, onde vive à míngua um numeroso exército de necessitados. Partir deste pressuposto é um preconceito: o sindicalista objeta os proventos do banqueiro e associa-os à sua recusa da prodigalidade na assistência social. O sindicalista limita-se a adivinhar: medra no seu próprio preconceito. O banqueiro acusa o sindicalista de ser um poltrão. (Por concessão legal, o sindicalista está dispensado do trabalho no banco para se dedicar às tarefas do sindicalismo.) O banqueiro afirma o seu preconceito: como o sindicalista não trabalha no banco, não trabalha, simplesmente. Para o banqueiro, o sindicalista é um parasita. Não sabe se o sindicalista não gosta dos lavores profissionais; adivinhando, esconde-se na cortina baça do sindicalismo que lhe causa transtornos para tirar conclusões precipitadas – conclusões que têm o preconceito como distintivo. No mar tumultuoso dos preconceitos, a posição cómoda é patrulhá-los como casa da partida para a denúncia agressiva. Ao sermos acusadores do preconceito do outro, raramente admitimos que partimos de um preconceito de sinal oposto. De onde se pode concluir que não há mal em termos preconceitos que nos enredam. Todos temos. O segredo está em não acusar os preconceitos que não são nossos. Para podermos gerir os nossos com algum conforto de consciência.
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