28.10.19

Distraidamente, com sua licença


Charlotte Adigéry, “High Lights”, in https://www.youtube.com/watch?v=hCkTyEsCNL4
Não colhem os vitupérios alimentados pela ira em que sua excelência se consome. Não quadram com seus pergaminhos consabidos. Ninguém tolera que o adágio do povo sobre si seja proclamado com desdém e, nessa altura, o povo não sábio dirá “no melhor pano cai a nódoa”. Parte-se do pressuposto que sua excelência é a boa fazenda. E que o enodoamento que o mancha são as exprobrações segregadas pelo chinelo de sua excelência. Confirma-se: não se julgava verosímil, atendendo aos impolutos pergaminhos que são sua aura.
Talvez prefira vossa excelência ser caução de um paroxismo. Aquele que se enovela no salão dos miseráveis que advertem para os de fora apenas considerarem as palavras que proferem, mas não os seus atos. Todavia, da ilharga de sua fleuma sai um arremedo iracundo e vossa excelência confere em juízo a má igualha dos seres que considera seus inferiores. Não se esperava semelhante heresia à sua fleuma.
No que me diz respeito, sinto uma honra inaudita por ser condecorado pelos vitupérios de vossa excelência. Desfaço-me em genuflexões, como paga. Desconheço a raiz quadrada dos opróbrios sobre mim lançados, depois de uma inquirição à consciência ter patenteado resultados negativos. A menos que andasse distraído e a distração fosse o opaco periscópio que me impede de tomar a medida das desmedidas de meus atos ou palavras (ditas ou escritas). Concedo que sou distraidamente algoz de mim mesmo, quando só depois da distração detetada vocifero contra a rasurável distração (e assim contra mim mesmo vocifero). Se por acaso lesei o bem-estar de vossa senhoria, quero que tome conhecimento que não terá sido produto de um ato deliberado. Seria das últimas encomendas que tomariam de assalto o meu caderno de encargos, dar a vossa excelência razões para me lapidar em público. Que me seja dado a lembrar.
Descontada a possibilidade de uma distração malévola enquistada no recobro da memória, impedindo-a de atuar em conformidade, não distingo possíveis motivos para tanto abespinhamento contra a minha humilde pessoa. Porventura terá sua senhoria intuição do estatuto a que me levita mercê de seus agravos excessivos? Se essa foi sua intenção, quero que fique lavrado em ata que dispenso tamanha comenda. As alvíssaras que são de minha coutada, são outras. Delas não darei conta a vossa excelência, porque não o quero sobressaltar com uma empreitada que está fora da sua alçada. Deixo que o “faz-se constar” faça seu caminho – e faz-se constar que são copiosas, e deveras mais relevantes, as empreitadas que tem a seu cargo.
Distraidamente, com sua licença, o abaixo assinado.

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