Shame, “The Lick” (live on KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=a1LR3SeHU9Y
1.
Havia umas pastilhas que os velhinhos eram convidados a tomar. Julgo que eram feitas à base de um concentrado de alho, que era o melhor remédio para a memória e para retardar o envelhecimento. De vez em quando, os velhinhos morriam. Nunca soube se era por esquecimento na toma das pastilhas, ou se as pastilhas eram um logro.
2.
Dizia-se que ter animais de companhia, de preferência cães ou gatos (numa, hoje, intolerável discriminação de outros espécimes), reforçava as resistências do organismo. Havia quem fosse alérgico a cães e a gatos. E, todavia, conseguia ter uma vida longa, só não ganhando as barbas farfalhudas e grisalhas do boneco que aparecia nas embalagens das natas Longa Vida, porque nas mulheres não cresce barba e nos homens só a uma minoria é que dado ter semelhante adereço no rosto. Uma cã experiência.
3.
A voz popular encomendava as oferendas pagãs a um terminal com origem religiosa. Era o povo a querer confundir crendice com fé, com o beneplácito oportunista de sacerdotes e da hierarquia eclesiástica: convém chamar muita gente para provar a popularidade da fé e de quem a apascenta. E, no entanto, as pagas assim ajuramentadas só contribuíam para o pecúlio da igreja. As promessas ficavam com os promitentes, perdendo-se o seu rasto pelo caminho.
4.
Os revolucionários são de cepa diversa. Devido aos trambolhões que o mundo tem dado, hoje dá-se a circunstância de os papeis se terem invertido. Uma parcela considerável dos revolucionários domesticou a rebeldia. As coisas correm a preceito. Em parte, porque os revolucionários perderam o sangue na guelra; noutra parte, porque as políticas em uso se aproximaram da cartografia dos revolucionários, todavia temperados, e eles deixaram de ambicionar a revolução. Preferem conservar as coisas no estado em que estão. Tornaram-se conservadores. E os outrora conservadores, acossados num canto exíguo, estão em processo de radicalização em curso (o seu PREC idiossincrático), prometendo derivas que têm o fétido odor a um passado que se julgava sepultado.
5.
Dizem que o sexo forte tem a iniciativa privada. (É privada porque, acredita-se, estes domínios devem estar sob reserva da intimidade, sem janelas abertas aos demagogos que espiolham os outros.) E o que é o sexo forte? A biologia deixou de ser a fonte creditícia. Foi ultrapassada. O dantes sexo fraco desponta, à medida da passagem do tempo, como o sexo forte. Os papeis inverteram-se. “Sinal dos tempos...”, suspira, nostálgico, um velho sempre votante em partidos de cariz revolucionário.
6.
Nada disto pode constituir surpresa. Os papeis não são herméticos. Nem quando se apura o momento na sua vestimenta estática e, muito menos, quando os diferentes tempos são cotejados. Os papeis mudam. Não há lugar a conservadores. Estão destinados a perder as batalhas em que investem. Não são capazes de impedir o tempo no seu andamento indelével, e o tempo traz marés diferentes. Assim como assim, já havia, e de há longo tempo, iguarias que misturam peixe e carne, doce e salgado. É como as vitórias que trazem um leve, mas nítido, sabor acidulado.
7.
Nunca foi o meu forte fazer listas.
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