Que mais não fosse, a segunda reunião do “Compromisso Portugal” teve o mérito de tirar da toca muitas virgens ofendidas que logo vieram sentenciar a impossibilidade daquilo que genericamente apelidam de “medidas neoliberais”. (“Neoliberais” merecia ser grafado ao quadrado: é daqueles chavões que entrou na linguagem politicamente correcta que designa a eito tudo o que deve ser diabolizado. Rivaliza com “fascismo”.)
Não venho aqui em defesa dos mentores da reunião do Convento do Beato. As beatíficas personagens do meio empresarial inspiraram um texto a explicar a missão pouco convincente com que apareceram perante o público (escrevi-o em 11 de Fevereiro de 2004). Lá irei, mas por outros motivos: apreciar a oportunidade da agenda política de alguns empresários do “Compromisso Portugal”. Para começar, alguma atenção à muita tinta escorrida, adicionada de carradas de fel, pelos críticos da iniciativa.
Nuns casos, palavras contra o teor das propostas: tidas como excessivamente “neoliberais”, merecem a reprovação dos eternos defensores da vaca sagrada chamada Estado. Pelo menos têm o mérito de mergulhar nas ideias veiculadas no Convento do Beato. Em alguns casos nota-se um juízo preso a preconceitos ideológicos. Por exemplo, Vital Moreira argumenta deste modo, em defesa da impossibilidade de privatizar certas infra-estruturas detidas pelo Estado: “porque se trata de “monopólios naturais”, por definição fora do mercado e da concorrência”. Como quem diz: porque sim. Mais perturbantes são as apreciações negativas que contestam a tentativa de intrusão dos empresários na política. O raciocínio é lapidar: são empresários, limitem-se a gerir as suas empresas. Que não tentem meter a pata na política, pois querem usufruir das benesses que o Estado lhes pode dar para agigantar os insidiosos lucros que os desumanizam.
Acho retumbante a argumentação. Primeiro, porque a iniciativa privada deve ficar excluída dos negócios da política, como se o Estado não estivesse todos os dias a interferir com os negócios dos privados. Ah, já me esquecia, para estas mentes iluminadas ao Estado tudo é permitido e às empresas apenas algumas coisas são consentidas. Em segundo lugar, é admirável a tolerância destes democratas. Como se julgam os juízes superiores da moralidade colectiva, disparando a verdade incontestável: sendo empresários, não podem entrar na política. Quanto mais não seja, para evitar a confusão de interesses (públicos e privados) que detectam. Pesam-lhes muito dois fantasmas: o episódio lamentável de Berlusconi, temendo a “berlusconização” da política nacional; e o mero preconceito ideológico que lhes tolda a vista.
Houve quem ousasse asseverar (lamento não ter anotado quem o fez) que os empresários não são gente recomendável para os negócios do Estado. Tentavam demonstrar que é fraca a qualidade de gestão das empresas de alguns dos participantes da iniciativa no Convento do Beato. Este argumento é espantoso. Acaso não estivessem com as ideias vendadas pelo preconceito ideológico, poderiam ler os números que todos os anos são publicados nos relatórios de contas de tais empresas. O cinismo que os críticos destilam volta-se contra eles próprios: se lhes incomoda tanto os lucros tão gordos que as grandes empresas registam, como vêm depois argumentar que estas empresas são mal geridas? Algo não bate certo.
O que me incomoda é defender-se a ideia que os empresários têm (e sublinho o imperativo verbal) que ficar fora da política. A categoria de empresário seria condição de exclusão da vida política. Já agora, porque não propor, por lei, que lhes seja retirado o direito de voto? Ah, que saudades dos tempos das nacionalizações em catadupa!
Noutro plano de análise surge esta interrogação: e devem os empresários entrar no mundo da política? Acho que não; por pudor, devem ficar à margem da política. Já basta a cumplicidade dúplice que estabelecem com os poderes públicos: hoje a denunciar os obstáculos que o Estado coloca às empresas, amanhã de mão estendida em demanda do subsídio público quando a crise bate à porta. Não é comportamento que contribua para a credibilidade dos empresários nacionais. Nem faz jus ao nome “iniciativa privada”.
Parece inequívoco que certos empresários que deram a cara pelo “Compromisso Portugal” têm uma agenda política própria. Alguém duvida que o presidente da Vodafone aspira a ser candidato a D. Sebastião do PSD? A ideia incomoda-me, pessoalmente. Mas o homem não pode ter as suas ambições políticas? É crime? Parece que entendo a exaltação dos críticos: temem que a “direita” (porque continuo a recusar ver no PSD qualquer semelhança com a “direita”) ganhe trunfos poderosos com a entrada de alguns destes empresários na vida política.
E já que não quero ser advogado de defesa do “Compromisso Portugal”, aqui vai uma ajuda aos que se desdobraram em críticas à iniciativa: denunciem-na pela colagem a economistas do PSD (e um independente que aceitou ser ministro de Guterres) que têm grande responsabilidade no estado pré-comatoso a que chegámos.
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