11.9.06

Os gloriosos malucos das máquinas voadoras


Red Bull: em França, é uma bebida proibida. Não se estranha, vindo de um país tão inusual. Esta bebida energética é um case study de publicidade agressiva. A expressão há que ser entendida no bom sentido, sem qualquer travo bélico que logo faria as delícias dos Rambos de serviço ao exército norte-americano. No registo de interesses pessoais que convém exarar, confesso simpatia pela empresa austríaca devido aos rios de dinheiro que investiu no desporto automóvel.


Uma das imaginativas iniciativas que divulga o nome da bebida feita com uma substância chamada taurina é um insólito concurso para sucedâneos de máquinas voadoras sem hipótese alguma de poderem voar. Os participantes são desafiados a mostrar a sua veia imaginativa, construindo máquinas que, sabe-se à vista desarmada, são incompatíveis com os requisitos da física para o voo. Estas máquinas são émulos fracassados de aviões feitos em cartolina, madeira, nos materiais e nas formas mais estapafúrdios que se possa imaginar. Tripuladas pelos seus loucos criadores, conseguem a proeza de voar uns escassos segundos. Até se estatelarem, com mais ou menos fragor, nas águas que servem de leito ao voo fracassado.


O evento tem sido organizado lá fora. Este fim-de-semana calhou a vez das águas do Tejo, junto à Torre de Belém, serem testemunhas das façanhas dos estrambólicos ensandecidos que constroem os esboços de aeronave que jamais se poderia imaginar até serem dados a conhecer. Foi a vez da excentricidade, que motiva momentos de boa disposição entre participantes e audiência, vir até Lisboa. Há malucos para tudo. O caso dos participantes não será de loucura patológica. Só de uma saudável loucura que contagia os espectadores com boa disposição, tão preciosa nos tempos que correm. Os concorrentes que se aventuravam no voo picado para as poluídas águas do Tejo sabiam que estavam a contribuir para a felicidade instantânea dos milhares que foram assistir àquele sucedâneo de doce manicómio.


Red Bull dá-te asas” – é o lema mais conhecido da bebida energética. Nada mais apropriado que um concurso onde o Homem tenta rivalizar com as aves, essas sim equipadas à nascença para bater as asas em longos voos. Na ousadia do marketing agressivo, o Red Bull arrisca-se a ser desmascarado (caso a semântica da publicidade fosse interpretada à letra): por ser verdade que o efeito voador do Red Bull se extingue em escassos segundos, derrotado pelo factor inexorável que a bebida não é capaz de vencer – a física, que actua como um íman que atrai os aventureiros para uma aterragem molhada. Nem a louca correria pelo palanque de acesso à água (seria mais apropriado chamar-lhe “pista de descolagem”?) chega para impedir a queda estrepitosa nas águas lamacentas do Tejo prestes a perder-se no Mar da Palha.


Ver as imagens do evento é um bálsamo. Não estive lá, mas ver as imagens funcionou como substituto perfeito. Pela imaginação desenfreada de quem ousou construir os esboços de aeronaves candidatas ao mergulho certo; pela boa disposição dos participantes, com uma dose de saudável loucura à mistura; e pelo ar de felicidade dos espectadores que viram a sequência de piruetas das pretensas avionetas a caminho do despenhamento nas águas calmas do Tejo. Apetece agradecer à Red Bull, que não se cansa de investir fortunas na sua arrojada campanha de publicidade para desafiar a rotina das pessoas tão cinzentas que se apascentam na quietude dos dias que se repetem, todos iguais, acéfalos.


Via as imagens dos concorrentes na sua correria desenfreada rumo ao rio. Batiam-se entre si pela queda mais artística, pelo aplauso mais sonoro da audiência. Por um momento, lembrei-me dos desenhos animados em que um batalhão de ineptos aviadores tentava capturar, sempre sem sucesso, o pombo-correio do inimigo. Por mais estratégias que congeminassem, o resultado era sempre igual: a queda livre dos ensandecidos aviadores, incapazes de deitar a mão ao pombo. Mas sempre com as gargalhadas sonoras do mais louco de todos – o cão Muttley. Eram os gloriosos malucos das máquinas voadoras.


Hoje, os gloriosos malucos das máquinas voadoras concorrem ao Red Bull Flugtag. Um hino aos anónimos fracassados, que transfiguram as fraquezas próprias nas forças dos outros.

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