Assim mesmo, propositadamente sem vírgula entre as duas orações, dito a um só fôlego. Recorrente a promessa, quando o ano velho encerra e se areja o novo ano com o balanço do que acabou de finar. Aí tomamos a peito os ventos de mudança. Muitas coisas passarão a ser diferentes, com o olhar temperado da mudança para melhor.
O ano que nasce é pretexto para varrer os desaproveitamentos da vida em que fomos pródigos. Como se a passagem de testemunho entre o ano velho e o ano novo trouxesse um toque mágico que opera a mudança. Tudo o que era motivo de descontentamento há-de ser combatido, até sermos alguém que se oferece como um ideal de quase perfeição. O inebriamento etílico das festas de passagem de ano ajuda à função. A consciência turvada sitia os sentidos. Julga-se que com um simples estalar de dedos, e a ajuda de um novo calendário, um novo horizonte despejado de nuvens terá lugar duradouro.
Quem nunca fez projectos de mudança com a chegada de um novo ano? Entregues ou não aos vapores do álcool que toldam o discernimento; promessas feitas em animadas noites de réveillon, ou apenas no sossego da solidão no acordar tardio do primeiro dia do ano; projectos entusiasmados com o travo da emoção que recebe de braços aberto a ousadia do inatingível, ou contidas promessas que rejeitam o que atormenta a memória; de tudo um pouco, o ano novo é pródigo numa tradição de transformar o que o ano velho, de tão velho, já tinha curtido cansativamente.
E, no entanto, se há altura em que estas promessas soam a falso é nas boas vindas ao novo ano. Aproveitam-se de um acidente do tempo: a dobra do calendário, um ciclo que se encerra para dar lugar a outro episódio que aloja o hermetismo de doze meses acondicionados num ano. É este hermetismo que aprisiona o tempo que nutre os espíritos para projectos de mudança. O tempo muda. E, com ele, devem hábitos velhos ceder a vez a novos hábitos. E inscrever a transformação na rota da bonança. É o êxtase de um ano novo que se recebe com a esperança das coisas novas. Apenas um embriagamento esparso, que a contabilidade dos dias iniciais do ano infante desmascara.
Os instantes devem ser tragados na voragem do tempo que os consome. Não há lugar a imortalização do tempo, nem a prolongar sensações que se diluem, em toda a sua beleza, nos escassos momentos em que são retidas pelos dedos. Serão inúteis os planos de mudança que chegam com a alvorada do ano, quando uma fiada de dias depois é o tempo que os desmente? Não. O espírito que alberga a sede de transformação é uma janela sempre aberta, um pulsar imaginativo que renova a existência. Que interessa se os planos ousam o impossível? Mais importantes, os momentos de inebriamento que libertam a imaginação. Podem muitos planos abortar logo após a congeminação. Outros frutificam e arquitectam os passos necessários para a transformação que dá um novo colorido à vida.
Se há algo que me perturba no adágio que o povo notabilizou – ano novo, vida nova – é a artificialidade do tempo que tem, pontualmente, encontro marcado com a mudança agendada. Será o pior momento para dar ignição à mudança. É a artificialidade do calendário que rouba a espontaneidade da transformação. Como projecto forçado, pode vingar; mas, como câmara de ressonância das coisas forjadas, sementeira para a confissão do fracasso, no insucesso do planificado. A chegada do novo ano é o pior momento para forjar mudanças. Que, por forjadas serem, trazem o perfume das flores de cemitério, fadadas para a impossibilidade. Falta-lhes a espontaneidade do tempo que desliza sem o espartilho dos calendários.
Ao contrário do que o povo se convence, ano novo vida a mesma (outra vez de um fôlego só). Adiar projectos de mudança para um momento em que não haja folhas velhas do calendário arremetidas para o arquivo das memórias. É nesta altura que se perfila um dilema: a cada dia que passa, há uma folha do calendário que se perde no amontoado dos papéis que se hão-de finar entre lixo diverso. Terão os planos de mudança o desígnio amargo do insucesso, manchados pela artificialidade dos projectos? O tempo que se renova é o adversário das ambicionadas mudanças. O tempo, afinal, é o solfejo da continuidade.
O ano que nasce é pretexto para varrer os desaproveitamentos da vida em que fomos pródigos. Como se a passagem de testemunho entre o ano velho e o ano novo trouxesse um toque mágico que opera a mudança. Tudo o que era motivo de descontentamento há-de ser combatido, até sermos alguém que se oferece como um ideal de quase perfeição. O inebriamento etílico das festas de passagem de ano ajuda à função. A consciência turvada sitia os sentidos. Julga-se que com um simples estalar de dedos, e a ajuda de um novo calendário, um novo horizonte despejado de nuvens terá lugar duradouro.
Quem nunca fez projectos de mudança com a chegada de um novo ano? Entregues ou não aos vapores do álcool que toldam o discernimento; promessas feitas em animadas noites de réveillon, ou apenas no sossego da solidão no acordar tardio do primeiro dia do ano; projectos entusiasmados com o travo da emoção que recebe de braços aberto a ousadia do inatingível, ou contidas promessas que rejeitam o que atormenta a memória; de tudo um pouco, o ano novo é pródigo numa tradição de transformar o que o ano velho, de tão velho, já tinha curtido cansativamente.
E, no entanto, se há altura em que estas promessas soam a falso é nas boas vindas ao novo ano. Aproveitam-se de um acidente do tempo: a dobra do calendário, um ciclo que se encerra para dar lugar a outro episódio que aloja o hermetismo de doze meses acondicionados num ano. É este hermetismo que aprisiona o tempo que nutre os espíritos para projectos de mudança. O tempo muda. E, com ele, devem hábitos velhos ceder a vez a novos hábitos. E inscrever a transformação na rota da bonança. É o êxtase de um ano novo que se recebe com a esperança das coisas novas. Apenas um embriagamento esparso, que a contabilidade dos dias iniciais do ano infante desmascara.
Os instantes devem ser tragados na voragem do tempo que os consome. Não há lugar a imortalização do tempo, nem a prolongar sensações que se diluem, em toda a sua beleza, nos escassos momentos em que são retidas pelos dedos. Serão inúteis os planos de mudança que chegam com a alvorada do ano, quando uma fiada de dias depois é o tempo que os desmente? Não. O espírito que alberga a sede de transformação é uma janela sempre aberta, um pulsar imaginativo que renova a existência. Que interessa se os planos ousam o impossível? Mais importantes, os momentos de inebriamento que libertam a imaginação. Podem muitos planos abortar logo após a congeminação. Outros frutificam e arquitectam os passos necessários para a transformação que dá um novo colorido à vida.
Se há algo que me perturba no adágio que o povo notabilizou – ano novo, vida nova – é a artificialidade do tempo que tem, pontualmente, encontro marcado com a mudança agendada. Será o pior momento para dar ignição à mudança. É a artificialidade do calendário que rouba a espontaneidade da transformação. Como projecto forçado, pode vingar; mas, como câmara de ressonância das coisas forjadas, sementeira para a confissão do fracasso, no insucesso do planificado. A chegada do novo ano é o pior momento para forjar mudanças. Que, por forjadas serem, trazem o perfume das flores de cemitério, fadadas para a impossibilidade. Falta-lhes a espontaneidade do tempo que desliza sem o espartilho dos calendários.
Ao contrário do que o povo se convence, ano novo vida a mesma (outra vez de um fôlego só). Adiar projectos de mudança para um momento em que não haja folhas velhas do calendário arremetidas para o arquivo das memórias. É nesta altura que se perfila um dilema: a cada dia que passa, há uma folha do calendário que se perde no amontoado dos papéis que se hão-de finar entre lixo diverso. Terão os planos de mudança o desígnio amargo do insucesso, manchados pela artificialidade dos projectos? O tempo que se renova é o adversário das ambicionadas mudanças. O tempo, afinal, é o solfejo da continuidade.
2 comentários:
Peço desculpa por o comment não ter directamente a ver com o post, mas acabo de notar algo interessante no histórico de posts: 2004 - 299; 2005 - 277; 2006 - 288. A repetição dos dois últimos dígitos é uma assombrosa coincidência ou é algum exercício cabalístico?
Apenas uma coincidência...
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