Solenidade em ponto de rebuçado. A gravidade do momento. Sagração de pertenças, um espírito colectivo acentuado no primor das fardamentas que encerram a solenidade. Os rituais selam o momento mais alto de uma pertença. O cimento da pertença. Há um cortejo de sacerdotes que ostentam a farpela e passeiam a superioridade da casta.
Na ostentação de vaidades ao longo da passeata dos curas apessoados, uns entregam-se à causa, exaltam a pertença. A fatiota aprumada, a gravidade do momento, a solenidade feérica gravam para a eternidade os sedimentos que emprestam todas as pedras que constroem o edifício. Uma a uma, cortejo a cortejo, sempre no empenhamento do solene momento, enquistando a construção colectiva. E arregimentando as fidelidades que a pertença exige. Para outros, o ritual é o zénite de um percurso pessoal. A passadeira vermelha por onde lhes é dada a regalia de voluptuosamente arrastarem os pés, trajados a rigor e de nariz empinado, é a autocontemplação da grandeza pessoal. Um ritual que faz as vezes do espelho onde se fitam em toda a sua altivez. Asseguram-se lugar no cortejo dos aperaltados confrades para certificarem que há lugar garantido ao seu pungente trajecto.
No majestoso cortejo sente-se um odor ancestral. Entoam-se palavras em latim, agravando o pomposo da ocasião. Os confrades, irmanados pela fulgurante pertença à casta dos privilegiados. Não só a pertença é vangloriada em tão solene marco. Ostentação de classe também, fazendo lembrar áureos tempos de nobres e clero como sonho inacessível aos demais. Vestígios de um passado que se julgava encerrado nas catacumbas do tempo. Perduram no presente, trazendo de outrora o odor bafiento que revolve na tumba marxistas seguidores.
Na sagração do momento, ao longo do desfile passeiam-se os sinais da casta e empunha-se o orgulho da pertença à instituição. Castrense ou religiosa, ou afim. Sinais que mobilizam um sentimento de pertença. Como se fossem lenitivos episódicos que renovam a vontade de empenhar pessoas pela causa, não vá cair em desuso a pertença e esboroarem-se os alicerces da instituição. Os rituais servem para cimentar esses sedimentos. Entronizam-se rituais numa opulência onírica, como se ali houvesse um conto de fadas servido pelas sinetas que chamam para o cortejo, o som grave das trompetas emprestando as cores marciais ao momento, as palavras sábias que pontuam discursos que coroam o imponente momento.
E, contudo, a majestosa exibição esconde a sumptuosidade que embrulha os sentimentos dos confrades. Uma opulência que se entrega na fina casca das aparências, um longo bocejo que é vigília da opacidade impante. As vaidades corporizam as fatiotas aprumadas, como se os trajes tão solenes emprestassem aos corpos a sua magnificência. Como se aqueles trajes representassem a caução da grandeza dos confrades, ou para eles a prova do trajecto imponente que esbarra contra a pequenez dos que ficam de fora, a assistir.
Os rituais são encenados ao pormenor, todos os passos estudados sem deixar detalhes ao acaso, em todos os instantes uma significação eivada de simbolismo. Rituais e símbolos. Mas apenas símbolos, na linguagem cifrada que não passa de uma encenação. Uma encenação que empresta o lugar encantado que se repete só em momentos esparsos, na evitável banalidade que viria diluir a solenidade do ritual. São rituais na sua opulenta ilusão. Traços de ilusão, um encantamento que traz os confrades extasiados no dia de cerimonial, êxtase do seu percurso que se revela tão grandioso como a pompa do momento.
Os rituais: pretextos. Para festejos de si, autocontemplação vitoriosa do fausto assim encenado. Não mais que uma encenação. Faustosa, penhor da nobreza dos confrades que desfilam o cortejo das vaidades de si. A santidade assim proclamada numa sequência de actos esgota-se na vacuidade do acto. Como se lá dentro houvesse uma espessura ilusória, que só os confrades acreditam sentir. Nestes rituais, um estado de hipnotismo colectivo.